sábado, 23 de janeiro de 2010

Primeiro encontro: A fé que nos gloriamos de professar




1. Fé Cristã: costume ou decisão pessoal
Ser cristão hoje deve ser fruto de uma decisão livre e esclarecida. Não basta o cristianismo recebido passivamente da família, apoiado nos hábitos sociais e baseado apenas na catequese de infância. Em tempos passados, a religião cristã fazia parte dos hábitos sociais recebidos do ambiente em que se vivia: todos eram baptizados, faziam a comunhão, todos eram encaminhados para os actos religiosos. Nascia-se e vivia-se cristão, como se nascia e vivia membro de um país. Nem se colocava a hipótese de ser diferente. A sociedade era estável, os costumes mantinham-se idênticos de geração em geração, a religião cristã transitava espontaneamente de pais para filhos.
As circunstâncias, porém, mudaram bastante em relação à fé cristã. Esta já não é favorecida pelo ambiente, já não é a única alternativa colocada às pessoas, já não é uma obrigação para todos os habitantes de uma terra cristã. É uma decisão livre, da consciência de cada um. Frequentemente, é até dificultada pelo materialismo dominante, pela descrença e indiferença religiosa em avanço, pela concorrência de outros credos que baralham muita gente.
Estarão os católicos, em geral, preparados para enfrentar este mundo difícil para a fé? Para muitos, que se dizem católicos, a fé cristã é apenas um hábito exterior, próprio para os momentos solenes (baptizados, comunhões solenes, festas, casamentos e funerais), mas sem influência na vida e no comportamento quotidiano. Verifica-se ainda com frequência que a prática religiosa, para bastantes pessoas, é um compromisso com os hábitos do meio social onde se reside. Mudando de residência, de ambientes cristãos para ambientes descristianizados ou massificados, deixam de praticar.

2. As raízes da fé cristã

2.1. A fé cristã tem uma história preciosa

A fé cristã não começou connosco. Vem de há muitos séculos, tem sido vivida por muitas gerações antes de nós. De um modo geral, chegámos à fé não por iniciativa própria, mas por decisão dos pais, que pediram o nosso ingresso na Igreja através do baptismo. A comunidade cristã, pelo presidente – o pároco – recebeu-nos com alegria, em ambiente de festa. Sem méritos da nossa parte, fomos acolhidos na comunidade de fé por vontade e responsabilidade dos pais.
Mais tarde, à medida que crescemos e as nossas capacidades desenvolveram, a Igreja, através da catequese, transmitiu-nos o conteúdo da fé que vem desde os Apóstolos, oferece-nos os sacramentos que desenvolvem a graça do Baptismo: a comunhão eucarística, a penitência e a confirmação.
Ao recebermos a fé da igreja, somos acolhidos e integrados numa grande família – a comunidade dos crentes em Jesus Cristo – que tem uma longa história de dois mil anos. A fé que recebemos tem como origem Jesus Cristo Ressuscitado, vem desde os Apóstolos, foi provada pela história de muitos séculos, enriquecida com a experiencia de muitas gerações, vivida por santos e mártires, sábios e gente simples. Há quantos séculos chegou à nossa paróquia e ao nosso país? Quantas gerações formou ao longo destes séculos? Quantas perseguições e crises enfrentou? Não estamos sozinhos na fé. Precedem-nos muitas gerações de crentes que garantem a sua solidez e preciosidade.

2.2. A fé garantida por testemunhas qualificadas
A fé cristã tem origem em Jesus Cristo: mas como chegámos a esta fonte? Quem garante a fidelidade às origens? Quem teve a iniciativa de a recolher e de a transformar?
Esta questão é hoje candente com o aparecimento de várias religiões e seitas que se reclamam da verdade e da autenticidade da religião cristã. Como distinguir os verdadeiros dos falsos profetas?
Este problema pôs-se logo no início do cristianismo. Vários textos do Novo Testamento alertam-nos contra o perigo dos falsos profetas e falsas doutrinas. Por exemplo, S. Pedro chama a nossa atenção desta maneira: «Assim como houve entre o povo falsos profetas, assim haverá entre vós falsos doutores que introduzirão disfarçadamente seitas perniciosas…» (1 Pd 2,1). Na mesma carta indica-nos o caminho certo para chegar ao acontecimento de Jesus Cristo: «Não foi baseando-nos em fábulas engenhosas que vos demos a conhecer o poder e a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas por termos sido testemunhas oculares da Sua majestade» (2 Pd 1,16). Outros textos do Novo Testamento confirmam claramente esta indicação: Deus escolheu testemunhas, confiou-lhes a tarefa do anúncio, confirmou a sua pregação com sinais e prodígios (cf. Act 10, 40-43; Act 5, 32; etc).
No Novo Testamento, estas testemunhas autorizadas e originais são os Apóstolos. Eles são as colunas em que assenta a fé da Igreja. Só a Igreja que está em continuação e em comunhão plena com a fé dos Apóstolos pode oferecer garantias seguras de nos ligar às verdadeiras origens da fé cristã.
Mas a história da nossa fé remonta para além de Jesus Cristo e dos Apóstolos. De facto, o próprio Jesus é ponto de chegada de um vasto movimento de esperança que vem desde Abraão. Muitas gerações de crentes esperaram n’Ele e prepararam a sua vinda. Uma longa genealogia O precedeu. Ao longo de quatro mil anos, uma série de testemunhas O anunciou e esperou n’Ele. Ao dar cumprimento às profecias do Antigo Testamento, Jesus deu credibilidade às testemunhas que O precederam e O anunciaram. S. Pedro, na mesma carta, refere também as profecias como garantia de veracidade da fé cristãs: «Temos ainda bem confirmada a palavra dos profetas, à qual fazeis bem em prestar atenção como a uma lâmpada que brilha num lugar escuro até que venha o dia e a estrela da manhã nasça em vossos corações» (2 Pd 1,19). Ao aderir à fé cristã tornamo-nos, assim, também herdeiros das promessas do Antigo Testamento.

2.3. A fé cristã uma tradição viva e actual
A fé cristã vive da memória de Jesus Cristo, transmitida por testemunhas qualificadas, conservada e entregue pela Igreja. Mas não é um acontecimento do passado como se se tratasse apenas de um património antigo. É uma Tradição viva e actual. A memória são as raízes que fundamentam a solidez e a veracidade da Igreja actual, desta grande família de Deus em que somos recebidos como membros: «Já não sois hóspedes nem peregrinos, mais sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o alicerce dos Apóstolos e dos Profetas, com Cristo por pedra angular. N’Ele (…) também vós sois integrados na construção para vos tornardes no espírito habitação de Deus» (Ef 2, 19-22). A fé cristã integra-nos, portanto, numa comunhão de vida com Deus, com os santos e com os crentes.
A fé é, frequentemente, comparada, na Sagrada Escritura, a uma Luz que ilumina a existência do homem. Convida-nos a confiar nas promessas de Deus e abra-nos novos horizontes levando-nos a interpretar o mistério de Deus e da vida humana, do mundo e da história, numa perspectiva de esperança: «a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam e uma demonstração das que não se vêem… Pela fé conhecemos que o mundo foi formado pela Palavra de Deus» (Hb 1, 1.3). Dá orientação e sabor à existência. Oferece-nos um projecto de vida indicando-nos o caminho para uma existência feliz e útil, em harmonia com Deus, connosco mesmos, com o universo e com os outros.
A nossa fé vence o mundo, afirma S. João (1 Jo 5,4). Dá-nos na verdade, a força de Deus para vencer o mal ou pecado do mundo, para enfrentar as influências negativas do ambiente, para ultrapassar as alienações da existência: liberta-nos do medo da morte e da angústia da solidão, inserindo-nos na comunhão eclesial; liberta-nos dos ídolos, do egoísmo e da vaidade, do poder e do apago ao dinheiro, pela conversão ao evangelho. Transforma a nossa existência, tornando-nos novas criaturas pela força do Senhor Ressuscitado e do Seu Espírito que habita em nós.

2.4. A fé, uma decisão pessoal
Estes frutos da fé, anteriormente referidos, esta transformação que opera na existência do crente, só se compreendem dentro de um quadro de liberdade. A fé tem um carácter pessoal, é uma decisão livre e responsável de cada um.
Podemos verificar este carácter pessoal do acto de fé na própria estrutura da Profissão de Fé. Em diálogo somos interrogados sobre as nossas disposições pessoais de renunciar ao mal para aderir a Deus, Pai Criador, Filho Salvador e espírito que nos santifica na igreja. Por três vezes, cada um declara «eu renuncio» e por três vezes também afirma «eu creio». A fé é uma tomada de posição em que cada um se compromete a uma conversão profunda pela renúncia do mal e pela adesão ao Deus vivo – Pai, Filho e Espírito Santo. Afirmar «creio» é idêntico a assegurar «eu confio»; eu entrego-me; eu obedeço. Eu amo» ou seja: eu proponho-me viver a fé dentro do caminho indicado por Jesus Cristo, transmitido por tantas testemunhas qualificadas e interpretado pela Igreja.

3. Fundamentar a identidade cristã

3.1. Conhecer as origens

Num ambiente de pluralismo religioso e de descrença é indispensável que o cristão saiba responder a quem lhe pergunta pela sua identidade. Não são muitos os que sabem dar uma resposta clara e certa. Bastantes vivem um cristianismo exterior, de conformismo com o meio social, sem entusiasmo nem convicções pessoais. Recebem a fé de modo passivo, frequentaram a catequese de infância, Mas não conhecem as razões profundas do cristianismo, nem sentem a alegria e a frescura da fé cristã. A causa geral é a ignorância religiosa. Há muitos cristãos que ignoram as verdades elementares do cristianismo.
Como ultrapassar esta situação? Como capacitar os cristãos para dar razões da sua fé? Como esclarecer a identidade cristã?
Quando alguém quer manifestar a sua identidade não diz apenas o nome e a profissão. Acrescenta também alguns dados sobre as suas origens: O local de nascimento, a família, a genealogia, etc. Do mesmo modo, a identidade cristã torna-se mais clara e mais firme se soubermos as origens da nossa fé, se conhecermos os crentes que são considerados colunas e modelos de fé cristã. Ninguém inventa a fé nem pode vivê-la isoladamente. Recebemo-la e vivemo-la em Igreja. Quais as origens e o fundamento da Igreja? Como é que iniciou este movimento de fé? Qual o seu conteúdo? Que proposta apresenta?
É o programa que propomos reflectir ao longo de vários encontros. Pretendemos ajudar a conhecer a fé sólida e provada, que a Igreja professa há tantos séculos, de modo a verificarmos a segurança dos seus fundamentos e a alcançarmos convicções seguras e serenas.

3.2. Guiados pela Bíblia
Como vimos atrás, o cristianismo não foi inventado por pessoas engenhosas. Tem origem na iniciativa de Deus que se deu a conhecer a testemunhas por ele escolhidas. A revelação progressiva de Deus, realizada ao longo de muitos séculos, encontra-se narrada na Bíblia. Aí podemos encontrar a história do amor de deus que vem ao encontro do homem. A Bíblia conta-nos a origem, os fundamentos e o contudo da nossa fé, não em forma de doutrina teórica, mas descrevendo a história de salvação que Deus realiza através dos nossos pais e, sobretudo, através de Seu Filho, Jesus Cristo.
Assim, vamos apoiar-nos, constantemente, na Bíblia para descobrir os fundamentos da nossa fé e interpretar a história dos homens e o mistério da vida humana à luz do desígnio de salvação de Deus. Vamos aproximar-nos dos personagens bíblicos, não como figuras do passado, mas como imagens sempre actuais da existência humana iluminada e engrandecida pela fé.
No final deste itinerário podemos compreender, de modo mais dinâmico e mais concreto, a síntese da fé que a Igreja elaborou em tempos antigos e que nós proclamamos: O Credo. Não é um catálogo de verdades abstractas, mas a narração das principais verdades que Deus comunicou progressivamente aos homens. No fundo, é o resumo da história da salvação, do amor de Deus revelado em Jesus Cristo, no espírito e transmitido por meio da Igreja.
A. Marto - M. Pelino