terça-feira, 6 de abril de 2010

Quarto Encontro: O Deus da aliança

1. REPRESENTAÇÕES DE DEUS À MEDIDA DO HOMEM
Moisés encontrou Deus no monte Horeb e viveu depois confiante na Sua presença protectora. Falava com Deus cara a cara, como um amigo ao amigo. Conheceu Deus como Alguém atento aos sofrimentos do povo e interessado na sua libertação. Também o povo hebreu experimentou a intervenção de Deus no Êxodo – na libertação do Egipto.
No entanto, esta experiência parece não corresponder à situação da nossa época. Hoje Deus parece ausente ou, pelo menos, longínquo. Muitas pessoas vivem como se Ele não existisse, contentando-se com os valores materiais.
Alastra hoje uma mentalidade pragmática. Predominam os valores materiais. As verdades apreciam-se pela sua utilidade («para que serve?»).
Nesta mentalidade, a religião e Deus correm o risco de serem apreciados também pelo proveito que trazem às pessoas. Deus é entendido como um Ser Superior que pode orientar em nosso favor as realidades que nos escapam e valer-nos em momentos de aflições. Não há a preocupação de conhecer quem Deus é ou o que pretende. Importa a utilidade que pode ter. Instrumentaliza-se Deus em proveito próprio.
Nesta concepção utilitária, Deus está desligado da vida quotidiana. De facto, nas atitudes e comportamentos, nos negócios ou divertimentos, Deus não é rentável. Aí contam os valores materiais, os interesses ou prazeres imediatos.
A vida do comum das pessoas é realmente dispersa, movimentada, cheia de ocupações ou distracções imediatas. Deus não tem espaço. As pessoas vivem distraídas com muitas solicitações. Deus não chama a atenção, não faz publicidade. Cheias de si mesmas e das suas coisas, as pessoas não têm disposição para a procura do sentido. Vivem do periférico, do efémero. Deus conta na medida e nos momentos em que é útil.
Outra representação de Deus, deformada pela limitação do homem, é a de juiz que castiga. Esta imagem de Deus conduz a uma religião motivada pelo medo. Cumpre-se na medida em que se teme o castigo de Deus nesta vida ou na outra (Inferno). À medida que as pessoas se libertam do medo como acontece actualmente, esquecem-se de Deus.
Estas representações de Deus verificam-se também no nosso meio? Em que factos as notais? Como se explica esta redução de Deus aos interesses humanos? Que consequências negativas acarretam ao cristianismo?
Quais os maiores impedimentos que se colocam ao homem actual para descobrir o verdadeiro rosto de Deus?
Damos conta que o apego das pessoas aos seus interesses e esquemas as impede de descobrir o verdadeiro rosto de Deus. De facto, Deus é um mistério escondido que nos ultrapassa. Não se pode reduzir à nossa medida ou utilidade. Para O descobrir, é necessário sair das seguranças que construímos, pôr em questão os esquemas a que nos apegamos, purificar-se do egoísmo que tudo reduz à nossa medida, libertar-se das inúmeras distracções que nos alienam. Só deste modo podemos encontrar o Deus que liberta e dá sentido e conteúdo à nossa existência. É o desafio que nos coloca o tema da Aliança.

2. DEUS FAZ ALIANÇA COM O SEU POVO
2.1 A purificação no deserto

A primeira fase da caminhada para a liberdade foi a saída de Israel, da terra da escravidão. Mas, depois, ainda havia muito caminho a fazer e, por vezes, cheio de surpresas.
Atravessando o mar vermelho, abre-se diante do povo o horizonte desolador do deserto, apenas ponteado por uma série de oásis. Os israelitas caminharam três dias sem encontrar água. Chegaram então a Mara, onde havia um poço. Todavia a água era salobra, amarga, não era própria para beber. Logo começaram a murmurar contra Moisés. Este descobriu ali um arbusto que tinha a virtualidade de desinfectante e lançou-se às águas. Puderam dessedentar-se. Deus apresenta-se como médico do Seu povo, que cuida da sua saúde para o tornar um povo são. Mas, lembra-lhe que, para isso, é preciso escutar a voz do Senhor.
Surge uma nova provação: a fome. O povo encontra-se angustiado. Arrepende-se do risco da aventura difícil em que se meteu. Tem saudades do passado da escravidão, da gaiola dourada do Egipto onde havia abundância de pão e carne. E queixa-se: «Oxalá tivéssemos sido mortos pela mão do Senhor no Egipto, quando nos assentávamos diante das panelas de carne…» (Êxodo 16:3). Deus revela-se salvador do povo faminto. Através de uma emigração de cordonizes e do maná (seiva solidificada em grão, de um arbusto no deserto), sacia a fome do povo. Moisés, porém, adverte que cada um não recolha mais que o necessário para que não falte a ninguém.

Numa etapa sucessiva, em Meriba, os israelitas estão devorados como nunca pela sede. Agora entram em contenda com Moisés: «Porque nos fizestes sair do Egipto? Para nos fazer morrer de sede com nossos filhinhos e rebanhos?» (Êxodo 17:3). De novo, Deus providenciou através de Moisés para encontrar água num rochedo.
Qual o significado desta travessia do deserto com todas estas dificuldades? À primeira vista, poderia parecer inútil, sem qualquer justificação. Porém, através das provações do deserto, Deus educa o Seu povo (cf. Deuteronómio 8:2-6):
- A liberdade é um dom de Deus, mas também tarefa nossa. O caminho para a liberdade e para a salvação passa sempre através de provações, tentações, riscos, sofrimentos e até do perigo de morte. Então é necessário que o povo experimente que a verdadeira liberdade tem um preço e faça a aprendizagem do valor e dos sacrifícios que ela exige;
- O deserto educa o povo a caminhar com Deus e a confiar n’ Ele no meio dos riscos e das dificuldades, a alimentar-se sempre da fé. Quando não se alimenta da fé, tem a tentação de voltar atrás;
- Por tudo isto, o deserto é um caminho espiritual de purificação e de conversão. O povo é levado a libertar-se das falsas seguranças e dos ídolos de todas a espécie, a mudar de mentalidades e de hábitos adquiridos, a descobrir que as raízes profundas da alienação estão nele mesmo, na sua infidelidade e na falta de fé. Assim, o caminho pelo deserto afina e apura a fé do povo. Aprende que «não só de pão vive o homem, mas também de todas a Palavra que sai da boca do Senhor» (Deuteronómio 8:3). Só uma sociedade que escuta a Palavra de Deus e a põe em prática é uma sociedade viva, sã e justa.

2.2 A Aliança no Sinai
Finalmente, após três meses de provações no deserto, o povo acampa junto ao Monte Sinai. Moisés volta às origens, ao monte da primeira vocação. Porém, agora não vem sozinho, mas acompanhado pelo povo renascido e purificado no deserto.
Junto do Monte Sinai, dá-se entre Deus e o povo um acontecimento determinante de toda a história da Salvação: Deus faz com o Povo uma aliança. O que é uma aliança? Deus compromete-se a assistir o povo e o povo compromete-se em ser fiel a Deus. Deus torna-se o protector de Israel e este, por sua vez, torna-se propriedade de Deus. Esta pertença a Deus deve traduzir-se no comportamento do povo. Assim, como consequência da Aliança, Moisés entrega ao povo, em nome de Deus, os mandamentos da Lei de Deus – que apontam caminho de fidelidade à aliança.

Ler e comentar brevemente:
Introdução à Aliança: Êxodo 19:3-8.

A iniciativa da aliança de comunhão é tomada por Deus. Começa por evocar os seus gestos de salvação para com o povo no Êxodo e no deserto. «Vós mesmos vistes o que eu fiz…»
O caminho da libertação não foi um andar errante e solitário pelo deserto. Foi ser conduzido «sobre asas da águia», isto é, com a ajuda protectora e libertadora de Deus.
Também não foi um caminho sem meta. Tem um ponto de chegada: «trouxe-vos até mim». Deus e a Sua Aliança é o verdadeiro fim da peregrinação do povo.
Só então é proposta a Aliança: «Agora, se escutardes a minha voz e guardardes a minha Aliança…» Deus quer formar um povo seu – Povo de Deus – um povo santo, consagrado a Ele para que seja testemunha do Seu desígnio de salvação no mundo. Só a Aliança com Deus faz homens novos e um povo novo. Assim, a aliança é estabelecida em ordem à santidade e à justiça.
À proposta de Deus, o povo deve responder com uma decisão livre e responsável: «Faremos tudo o que o senhor nos disse».

Lei da Aliança: Êxodo 20:1-17
A resposta concreta pedida ao povo para permanecer na Aliança com Deus vem expressa do Decálogo (Dez palavras – mandamentos). São a «Carta Magna», a Lei da aliança, já que não existe amor sem lei, sem fidelidade. Os dez mandamentos significam, em última análise, que a verdadeira Aliança e a verdadeira liberdade que Deus oferece e propõe aos homens, nasce do amor a Deus e ao próximo. O povo é então chamado a comprometer-se com Deus no caminho da libertação pelo amor, pela justiça, pela verdade.

Celebração da aliança: Êxodo 24:1-8
A Aliança é celebrada e selada através de um rito e de símbolos. O monte é-nos apresentado como um templo onde se ergue um altar (símbolo de Deus) rodeado por doze colunas de pedra (símbolo das doze tribos do povo), em que se oferece um sacrifício de comunhão expresso pelo sangue. Metade do sangue é aspergido sobre o altar e outra metade sobre o povo. O sangue, para os hebreus, é sinal da vida. Este rito significa que entre Deus e Israel existe agora uma aliança de sangue, isto é, uma comunhão de vida. Deus e o povo estão unidos pelo mesmo sangue, pela mesma vida. São como membros de uma só família, unidos por uma relação de intimidade e amor.
Encontramos aqui os três elementos constitutivos da Aliança: a Palavra de Deus, a adesão do povo e o rito – sinal da comunhão de vida.

3. VIVER A ALIANÇA HOJE
3.1. A nova Aliança e o mandamento novo

A Aliança de Deus com o povo, iniciada no Sinai, tem a sua realização definitiva na nova Aliança em Jesus Cristo.
Em virtude da infidelidade do povo de Israel a Deus, os profetas anunciaram uma nova e futura Aliança (Ler Jeremias 31:31-34). Caracterizar-se-á por uma interiorização profunda do amor de Deus, por um coração novo cheio de fidelidade e sinceridade. Será a Aliança do «homem novo» transformado pelo espírito de Deus. Essa Aliança será realizada por Jesus Cristo. A sua morte na Cruz (sangue derramado) é a expressão da nova Aliança, da comunhão total e definitiva de Deus connosco, cujo memorial é a Eucaristia: «Este é o cálice da nova aliança selada no meu sangue» (1 Coríntios 11:25). E, tal como Moisés leu ao povo os mandamentos da Aliança, assim Jesus, na última ceia, promulgou um mandamento novo: «Dou-vos um mandamento novo: amai-vos uns aos outros; como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros» (João 13:34).

3.2. Os frutos da Aliança
Deus apresenta-se como Alguém próximo do povo e amigo. A Aliança realiza uma comunhão vital entre Deus e o povo. Deus assegura ao povo protecção e pede-lhe, em resposta, fidelidade. A Aliança produz assim frutos positivos:
- torna o povo livre;
- leva as tribos, até aí bastante autónomas e independentes entre si, a formar um povo, unido na mesma fé;
- indica um caminho de santidade e fidelidade através da prática dos mandamentos. Estes não são um jugo, mas uma orientação que indica um caminho de maior perfeição para corresponder à aliança de Deus.
M. Pelino - A. Marto

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