1. A FÉ ALIENA E OPRIME? OU LIBERTA?
Comecemos por recapitular as promessas feitas a Abraão: Que promessas fez Deus a Abraão? Que frutos recebeu da fé? A nossa fé é como o caminho de Abraão. Onde nos leva? Habitualmente afirmamos que o fruto da fé é a vida eterna.
Mas, para as pessoas de hoje, geralmente mais preocupadas com esta vida do que com o «além», a vida eterna não é, por vezes, motivante, não desperta muito interesse.
Nesta vida terrena em que agora vivemos, qual o resultado da fé? Contribuiu para uma vida mais feliz e realizada ou a preocupação da vida eterna alterna as pessoas dos compromissos terrenos? A fé é um jugo que impede muitas coisas agradáveis ou é um caminho de realização? Que pensam as pessoas à nossa volta’ Que pensais vós?
Frequentemente, se tem acusado o cristianismo de alienar as pessoas. O marxismo identificou a fé cristã como «ópio do povo», uma espécie de droga que adormece e aliena i povo para o manter tranquilo na miséria, com a esperança da recompensa na vida eterna. Para a psicanálise de Freud, a fé é uma doença psíquica, que mantém a pessoa no infantilismo, lhe rouba a autonomia e a liberdade e se torna fonte de neurose, de desequilíbrios psíquicos. Para outros ainda, a fé é apenas uma muleta para as personalidades fracas, o maior obstáculo à alegria de viver e ao desejo de felicidade.
Estas acusações são um desafio a buscar a verdade e autenticidade da nossa fé. Por isso, vamos agora debruçar-nos sobre uma etapa decisiva da história da salvação: o Êxodo do povo de Deus da escravidão do Egipto para a terra da liberdade. Este grande acontecimento está no centro da fé e Israel, Meditando sobre ele, o povo descobriu o Deus dos pais presente na história da libertação dos homens. Desde então, a profissão de fé de Israel resume-se numa frase: Deus libertou o Seu povo. Uma figura chave para compreender esta epopeia da libertação é Moisés que conduziu p êxodo do povo para a Terra Prometida.
2. DEUS LIBERTOU O SEU POVO
2.1. A opressão do povo no Egipto
A promessa feita por Deus a Abraão é renovada aos seus descendentes: Isaac e Jacob. Este foi o que deu unidade às doze tribos, originadas dos seus filhos, e assim formou o povo de Israel. Entretanto, os filhos de Israel emigraram para o Egipto, em escasso número. Inicialmente, foram bem recebidos pelos egípcios. Mas, logo se tornaram numa grande multidão, devido à extraordinária fecundidade, e isso assustou o Faraó do Egipto. Foram então submetidos a trabalhos forçados, à mais dura escravidão. Como continuavam a proliferar, o Faraó lançou mão da medida mais feroz de controle de natalidade: ordena que todo o menino israelita que nascer seja atirado ao rio.
2.2. Moisés libertador
a) Infância de Moisés
É nesta situação que nasce um menino, cuja mãe para o salvar, o coloca numa cesta calafetada junto ao rio. Quando a filha do Faraó veio tomar banho ao rio, encontrou o menino a chorar, encheu –se de compaixão e adoptou-se e deu-lhe o nome de Moisés, que quer dizer «salvo das águas». Meditando este episódio, a fé de Israel descobriu o significado da infância de Moisés: ele foi objecto de uma especial providência de Deus que o salva e prepara para a sua missão. De facto, foi salvo das águas e introduzido na corte, onde foi educado em toda a sabedoria e cultura dos egípcios. Estava em boa posição e tornara-se uma pessoa importante.
b) Moisés põe-se em fuga
Um dia mais tarde, cheio de generosidade e solidariedade foi visitar os seus irmãos de sangue. Não podia suportar a injustiça de que eram vítimas. Vendo maltratar um deles, expõe-se até matar o agressor egípcio. Depois, quis fazer dos seus irmãos um povo com dignidade que se respeitassem e amassem. Mas nem sequer os irmãos entenderam a dignidade e liberdade que lhes propunha. Encontrou resistência por parte deles. Teve medo de que o Faraó viesse a saber tudo. Acabavam-se os bons e generosos sonhos. Fugiu do Egipto e foi viver como estrangeiro para a terra de Madian. Aí casou, constituiu família e guardava rebanhos.
c) O encontro com Deus
Foi então que fez a descoberta da iniciativa de Deus na sua vida. Quando estava no deserto, no monte Horeb – a montanha de Deus – a 1700 metros de altitude, apascentando o rebanho do sogro, Moisés vê, de longe, uma sarça que ardia sem se consumir. Aproximou-se para compreender o que significava. Que se passa? Que escuta Moisés? Que entende?
Antes de mais, escuta o seu nome: «Moisés»! Moisés!»
Dá-se conta de que Alguém sabe o seu nome, se interessa por ele. Escuta, depois, algo inesperado: «Não te aproximes daqui. Tia as sandálias, porque o lugar em que te encontras é sagrado. Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob» E Moisés escondeu o rosto porque temia ver a Deus.
Compreendeu que estava perante uma manifestação de Deus. É Deus que busca Moisés e se interessa por ele que é um foragido. E busca-o onde ele se encontra. Mas o encontro com Deus exige purificação, despojamento, disponibilidade (tirar as sandálias). Por isso, Moisés sentiu o temor do homem frágil e pecador diante do mistério de Deus.
Por outro lado, experimentou confiança. Deus apresentou-se-lhe como o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob – o Deus dos pais – aos quais já manifestara o Seu amor e fidelidade. E Moisés compreendeu que Deus se quer revelar de novo e fazer coisas novas com ele. O encontro com Deus é sempre um acontecimento de graça que chama a uma vida nova.
d) A missão
Deus ouvir o grito de clamor do Seu povo humilhado e decide liberta-lo dos opressores. Por isso, confia a Moisés esta missão: «O Senhor disse: Eu vi a miséria do Meu povo que está no Egipto e ouvi os seus clamores por causa dos seus opressores. Sim, eu conheço os seus sofrimentos. E desci para o livrar da mão dos egípcios e fazê-lo subir para uma terra fértil e esperançosa… vai, eu te envio ao faraó para tirar do Egipto os israelitas, meu Povo» (Ex 3, 7-10).
Moisés sente-se pequeno e humilde para uma empresa tão difícil. Conhecia o poderio esmagador do Faraó e do seu exército. Tem ainda viva a experiência do fracasso da primeira tentativa. E, por isso, escusou-se à tarefa: «Quem sou eu, Senhor, para ir ter com o Faraó e ir tirar do Egipto os israelitas?» (Ex 3,11). O Senhor, porém, apela à Egipto os israelitas?» (Ex 3,11) . O Senhor, porém, apela à confiança n’Ele: «Eu estarei contigo!» A presença de Deus é garantia de que levará a bom termo a sua missão.
Por último, Moisés perguntou ao Senhor com que nome O há-de identificar junto dos israelitas. E Deus responde: «Eu sou Aquele que sou», quer dizer: Eu sou Aquele que está aqui presente para vos salvar , o Deus presente, fiel e misericordioso.
2.3. A epopeia da libertação
Agora Moisés reconhece-se enviado, não para uma obra sua, mas para a obra de Deus. Depois de purificado e renovado no seu interior, põe-se completamente nas suas mãos. Vai ter com o Faraó e intimida-o: «Assim diz o Senhor, Deus de Israel: Deixa sair o Meu povo para que celebre uma festa no deserto». O Faraó opõe-se. Moisés, porém, crê na força da Palavra de Deus, mesmo sabendo que o Faraó continua obstinado.
Nesta circunstância, conjugam-se uma série de catástrofes que vêm dar força à sua palavra. São as pragas do Egipto: a cheia devastadora do Nilo, a invasão de rãs, parasitas, gafanhotos, mortandade de animais etc. O povo, à luz da fé, descobre aí sinais da força de Deus que combate a seu lado, vencendo as forças do mal e da opressão.
Finalmente o faraó cedeu e os israelitas puderam partir. Na véspera da partida, porém celebraram a Páscoa, durante a noite: cingidos nos rins e de bastão na mão, símbolos da prontidão e da pressa na saída do Egipto, comeram ervas amargas para evocar as amarguras da escravidão e o cordeiro pascal, imolado em honra do Senhor que os libertou. É a festa de acção de graças pelo dom da liberdade que vem de Deus.
Partiram de madrugada. Mas a travessia do deserto não foi de vento em popa. As forças de opressão renascem e voltam à perseguição. O exército do Faraó vai no seu encalce. Pela frente está o obstáculo: o Mar Vermelho. Às portas da liberdade, na última fronteira da escravidão, tudo parece falhar. O povo revolta-se contra Moisés. É uma noite de terror! Assediado, apela à valentia da fé na promessa: «Não temais! Tende ânimo e vereis a libertação que o Senhor vai operar hoje em vosso favor» (Ex 14, 13). O fracasso não é a última palavra. A última palavra é que Deus vence o mal e o homem vence com a força de Deus.
Levantou-se, então, uma tempestade de vento que facilitou a fuga porque a maré baixou. O povo reconheceu mais uma vez o dedo providencial de Deus. E, feita a travessia, ressurge um Israel novo que canta um hino de acção de graças (Te Deum) ao Senhor, o canto da liberdade e da justiça contra todas as formas de opressão.
«Eu quero cantar o Senhor
porque manifestou a Sua glória.
O senhor é a minha força e o meu canto
foi Ele quem me salvou
Ele é o meu Deus, eu o louvarei
O Deus de meu pai, eu O exaltarei.» (Ex 15, 1-2)
3. A FÉ, CAMINHO DE LIBERTAÇÃO
3.1. A grandeza de Moisés e daquele que crê
A história do êxodo e de Moisés não é só do passado. Aplica-se também aos cristãos, como diz S. Paulo, precisamente a este respeito: «Todos estes acontecimentos sucederam para servir de exemplo a nós.» (1Cor 10,6)
A descrição do Êxodo propõe-se suscitar a mesma fé de Moisés, acolher o mesmo dom da liberdade, fazer o mesmo esforço de libertação, para celebrar a presença do mesmo Deus libertador.
A grandeza de Moisés está na solidariedade com o povo e na intimidade com Deus. Ler Ex 32,31-32 e 33, 11 e verificar dois aspectos:
- Moisés é o chefe carismático que, sem medo, denuncia os desvios do povo da fidelidade à Aliança. No entanto, é profundamente solidário com a sorte do seu povo, anuncia-lhe a Palavra de Deus, guia-o e intercede por ele.
- A grandeza de Moisés não vem só das grandes coisas que realizou, mas fundamenta-se, sobretudo na sua fé e amizade profunda com Deus. Esta relação engrandece.
3.2. O compromisso do crente com a libertação
O Êxodo começado por Moisés conclui-se com Jesus Cristo, ressuscitado da morte para a vida verdadeira. Por isso, a vida com Cristo – a vida cristã – é também um êxodo, um sair das diferentes formas de escravidão para entrar na vida verdadeira, justa e livre com Deus. Esta libertação refere-se não só às escravidões mais profundas do coração humano egoísmo, ambição de possuir e dominar, violência), como também às de ordem social, económica e política. A fé cristã é um caminho de libertação.
Deus é aquele que quer a dignidade e q libertação. Não têm, por isso, consistência as acusações, atrás referidas, de que a fé aliena e oprime. Pelo contrário: a fé liberta os homens e promove os valores – solidariedade, força, coragem, fidelidade. A fé enriquece o homem na sua personalidade e no compromisso com a sociedade. Podemos lembrar algumas personalidades fortes de crentes como Teresa de Calcutá e João Paulo II que, de modo nenhum, se apresentam diminuídos.
A. Marto - M. Pelino
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