segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Segundo encontro: O Deus de Abraão e o Deus de Jesus Cristo

1. DEUS EM QUESTÃO
A Fé dirige-se a Deus, tem Deus por objecto. Ora, se nos tempos passados, a existência e a providência de Deus eram inquestionáveis, hoje não é assim. Deus é actualmente posto em questão.
De facto, a hipótese de Deus parece desnecessária para explicar o mundo. O conhecimento científico parece ter substituído a fé. O homem moderno dá a impressão de não precisar de Deus e viver à margem d`Ele. O consumo de bens materiais, o conforto e as possibilidades que lhe são oferecidas pela técnica serão suficientes para satisfazer o anseio de felicidade humana?
Por outro lado, as imagens e concepções de Deus e da religião que vemos à nossa volta também não são muito convincentes. Deus é, muitas vezes, entendido ou apresentado como um arquitecto que fez o mundo, ou então como um legislador que dá leis, ou juiz que castiga. Ou, ainda, como um mágico que resolve os problemas das pessoas e maneja as forças do universo através de milagres.
No vosso meio colocam-se também algumas questões a propósito da existência e da Providência de Deus? Que imagens deturpadas e pouco cedíveis notais acerca de Deus?
Será verdade p que afirma Paulo VI: «Deus tornou-se (para muita gente moderna) supérfluo e embaraçante»? Como se manifesta esta indiferença religiosa à vossa volta? Quais os motivos ou explicações desta indiferença?
Porém, o Deus em quem somos chamados a acreditar não é este Deus dos filósofos, ou dos mitos, ou da religiosidade natural. Nós acreditamos no Deus revelado na Sagrada Escritura. E, como dizia o sábio Pascal, convertido ao cristianismo, as imagens de Deus construídas pela razão humana não têm nada a ver com o Deus de Abraão e de Jesus. É este Deus que vamos procurar descobrir.

2. DEUS PRESENTE NA HISTÓRIA E NA CRIAÇÃO
2.1 Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob
A raiz mais antiga da nossa fé em Deus encontra-se nos patriarcas Abraão, Isaac e Jacob. O próprio Jesus cita estes pais na fé para afirmar que, tendo existido há milénios, eles continuam vivos na presença de Deus (cf. Mt 22,32). «Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob» e «Deus dos pais» são expressões que a Bíblia utiliza para apresentar Deus como Alguém conhecido e amigo dos antepassados na fé. Não é uma força ou objecto de conhecimento: Deus é uma pessoa que deseja relacionar-se como os homens: Deus é uma pessoa que deseja relacionar-se com os homens. É o Deus de Alguém.
É elucidativo o relacionamento de Deus com Abraão. Com este patriarca, arranca a história da Salvação. Ao longo da Sagrada Escritura, ele vai permanecer a referência normativa da atitude de fé.
Abraão viveu há cerca de quatro mil anos, no sul da Babilónia, numa região compreendida entre-os-rios Tigre e Eufrates, junto do Golfo Pérsico. A sua vida aparece profundamente marcada pela relação com Deus. Abraão vive orientado pela fé. Na sua história podemos destacar alguns aspectos significativos:
Chamamento – A história da Salvação começa com o chamamento de Abraão: «Deixa a tua terra, a tua família, e a casa de teu pai e vai para a terra que Eu te indicar» (Gen 12, 1). Abraão deixa tudo e põe-se a caminho. Confia em Deus e obedece. Coloca na Sua Palavra a segurança da própria vida.
A fé é um caminho que exige desprendimento. É deixar realidades em que apoiamos a nossa existência e orientar-se pela Palavra de Deus. Esta deve construir o grande apoio da existência do crente.

2.2 A promessa feita a Abraão
Promessa – Deus pede desprendimento em vista de bens maiores que promete a Abraão: «Nada temas, Abraão! Eu sou o teu escudo, a tua recompensa será muito grande. Abraão respondeu: Que me dareis Senhor Deus? Vou-me sem filhos e o herdeiro da minha casa é Eliezar (…) E conduzindo-o para fora disse-lhe: Ergue os olhos para os céus e conta as estrelas se fores capaz de contar. E acrescentou: Pois bem será assim a tua descendência. Abraão confiou no Senhor e o Senhor outorgou-lhe isso como mérito. O Senhor disse-lhe: Eu sou p Senhor que te mandou sair de Ur, na Caldeia para tomares posse desta terra» (Gen 15, 1-7).

Em que consiste a promessa?
- Descendência números:
Abraão é o pai dos crentes. Todas as religiões monoteístas o veneram como pai na fé (cristãos, judeus e muçulmanos). A descendência da fé não é menos importantes que a descendência natural, segundo a carne.
- Terra: Deus promete também uma outra terra a Abraão, para onde ele deve orientar o seu coração. Abraão torna-se peregrino. A sua verdadeira pátria não é aquela em que se instalara, mas a Terra Prometida.
- Bênção: Deus promete ainda uma amizade fiel e protecção: «Serei o Teu Deus». Esta protecção deve constituir a grande segurança da vida de Abraão.
O compromisso pessoal de Deus com Abraão mostra que Ele não é um Deus distante, ameaçador ou denominador. È um Deus que promete ajuda e protecção. Que se dispõe a acompanhar Abraão na peregrinação e a garantir o futuro dele e da sua descendência. É um Deus atento aos acontecimentos concretos, presente na história dos homens.
Abraão confia sempre e obedece totalmente. Apoia a sua existência na Palavra de Deus e caminha na Sua presença, na esperança firme que lhe vem da Promessa. Assim começa a história da salvação.

2.3. Deus Criador do céu e da terra
O Deus de Abraão não é uma divindade particular de uma família, tribo ou povo. É reconhecido pelo sacerdote Melquisedec, que abençoa Abrasão, como «Deus Altíssimo Criador do céu e da terra» (Gen 14, 18-20). O Deus que intervém na história de Abraão e o acompanha no seu caminho é o Criador e Senhor do Universo e o Deus de todos os povos. O seu poder e providência não tem limites nem fronteiras. Aquele que ajuda Abraão está atento a todos os povos.
A convicção de que o universo e os homens têm origem e sentido na criação de Deus, faz parte de fé de Israel e verifica-se desde o início da história do povo de Deus. Vem narrada a partir das primeiras páginas da Bíblia, é fruto da experiência de Israel que sentiu na sua história a protecção poderosa de Deus e é objecto da Revelação divina.
Não devemos, porém, entender a narração da criação como uma explicação científica da origem do universo. Não existe contradição entre a fé e a ciência, entre a afirmação bíblica da criação e teorias que procuram explicar a formação do universo, a sua idade ou a sua evolução. A Bíblia não pretende ser um trabalho científico. Utilizando imagens próprias da cultura de então e empregando uma linguagem poética, apenas afirma que o universo e os homens não surgiram por acaso ou por necessidade. Vêm da decisão livre de Deus, foram criados por amor. O mundo e a humanidade têm origem e sentido em Deus.
A criação não situa a acção de Deus apenas no começo do mundo. Deus não construiu o mundo à maneira de um arquitecto que, depois de concluída a obra, a deixa entregue a si mesma. Deus governa o mundo e orienta-o para o seu destino. A criação está orientada para a plenitude do Reino, progride para a perfeição até alcançar o novo céu e a nova terra.

2.4. Atitude do crente face ao criador
O homem, obra prima da criação, feito à imagem de Deus com liberdade e inteligência, encontra no mundo criado um reflexo da bondade e da grandeza de Deus, e ao mesmo tempo uma obra em que é chamado a colaborar. Para o crente, o universo mostra o rasto de Deus: «Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das Sua mãos» (S1 19, 2). Mas é também o espaço onde deve trabalhar, fazendo progredir a criação para a perfeição do Reino de Deus, não como dono absoluto, mas como colaborador de Deus em ajude de respeito e admiração pelas leis próprias das realidades criadas.
Acreditar na criação é assim descobrir a verdadeira condição do homem. Colocado acima de todas as realidades criadas, coroado de honra e de glória (S1 8,5-7) é, afinal, uma criatura limitada e dependente, marcado pela grandeza e pela fragilidade. Em Deus encontra segurança e harmonia. Aquele que criou o céu e a terra ama-o com amor infinito e ampara-o com amizade. N`Ele pode o homem confiar totalmente: «O nosso auxílio está no Nome do Senhor que fez o céu e a terra» (S! 124,8).

2.5 O pai de Nosso Senhor Jesus Cristo
O conhecimento e a relação com Deus avançam em profundidade ao longo da história da Salvação. Depois dos patriarcas, cabe aos profetas um papel importante na purificação do conceito de Deus e no reforço da Aliança. Mas, para nós cristãos, a referência principal para conhecer Deus e nos relacionarmos com Ele é a pessoa de Jesus Cristo. Deus é para nós «o Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, Pai de misericórdia e Deus de toda a consolação» (2 Cor 1,3). Outras religiões crêem e seguem o Deus de Abraão, como os muçulmanos e os judeus. Apesar desta raiz comum, quantas diferenças entre nós e os muçulmanos ou os judeus! Nós cremos no Deus que Jesus Cristo nos deu a conhecer.
É, de facto, em Jesus Cristo que a união entre Deus e os homens atinge a sua plenitude e perfeição. Toda a vida e acção de Jesus se explicam pelo amor do Pai. Este é a presença constante em que se apoia e a quem, no derradeiro momento da Sua vida, se entrega.
O grande segredo da vida de Jesus, da profundidade admirável da Sua pregação, da intensidade da oração, da liberdade e serenidade com que enfrenta o Seu destino, é a intimidade com o Pai. Jesus manifesta claramente a consciência de uma relação única com Aquele a quem chama pelo nome terno de «Abbá» - Paizinho. Por isso O dá a conhecer em plenitude: «Ninguém jamais viu a Deus: o Filho único que está no seio do Pai é que o deu a conhecer» (Jo 1,18).
O Deus revelado em Jesus Cristo manifesta-se de modo mais admirável na ressurreição. É a obra mais impressionante de Deus, o coroamento de todas as intervenções ao longo da história da Salvação. Por isso, no Novo Testamento, Deus é apresentado como «o Deus que ressuscitou Jesus dos mortos». Aquele em quem se pode confiar mesmo quando todas as seguranças humanas falham. Deus é amor fiel que não nos abandona nas trevas da morte. A ressurreição é a manifestação decisiva e insuperável do amor de Deus «que dá a vida aos mortos e chama à existência o que não existe» (Rom 4,17). S. Paulo considera que, neste acontecimento, se realiza plenamente a promessa feita a Abraão (Rom 4, 13-17). A plenitude da promessa realiza-se, assim, na vida nova da Ressurreição que Jesus Cristo alcança para os crentes.

3. A FÉ DE ABRAÃO E A NOSSA FÉ
3.1 O encontro com Deus
No exemplo de Abraão verificamos que Deus se conhece pela relação, pelo encontro. Do mesmo modo, hoje, para conhecer Deus não basta falar d`Ele. É indispensável dialogar com Ele., escutar a Sua Palavra e falar-lhe. Como afirma um filósofo (Martin Buber): «Se fosse só um Deus de quem se fala não acreditaria. Mas é um Deus a quem se fala. Por isso acredito».
Para conhecer Deus não basta acumular demonstrações sobre a Sua existência. Não é através da especulação que chegamos a Ele, mas através do encontro. Deus é o amigo, o Pai, Aquele que ama em todas as circunstâncias e cuja presença nos envolve constantemente. Esta convicção explica o estado permanente de oração que podemos verificar nos personagens bíblicos.

3.2 Caminhar na fé
Como a fé de Abraão também a nossa deve desenvolver-se ao modo de um caminho que avança. Ter fé é seguir o apelo de Deus e fixar o coração na sua promessa.
Caminhar na fé só é passível através do esforça permanentemente, da procura sincera da verdade de Deus e do desapego das seguranças humanas a que nos agarramos.
O crescimento na fé deve ter em vista três dimensões:
Confiança – Abraão confiou mesmo quando humanamente não havia garantias. Também a nossa fé deve levar à confiança em Deus, amigo e protector
Conhecimento – Deus revela-se, vem ao nosso encontro e dirige-nos a Sua Palavra. Assim como falou através dos profetas e de Jesus, fala-nos ainda hoje através da Igreja, que interpreta e actualiza a mensagem bíblica. A fé tem um conteúdo que é necessário conhecer.
Prática – Acreditar é pôr em prática o que Deus indica, Abraão caminhou na presença de Deus. Toda a sua vida é uma resposta à revelação. Também nós devemos praticar a fé. A fé manifesta-se na prática.
M. Pelino - A. Marto

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