quarta-feira, 5 de maio de 2010

Sexto Encontro, Deus conduz a história para a salvação


1. RELAÇÃO ENTRE A FÉ E OS ACONTECIMENTOS DA HISTÓRIA
Nos encontros anteriores verificámos que Deus se revela no Antigo Testamento como um Deus próximo, presente e atento á vida do povo de Israel, preocupado em orientar a história pelos caminhos da justiça e da paz.
No entanto, o desígnio de Deus choca com a liberdade e com o pecado do povo e dos chefes, «O Rei e o povo fizeram o que era mão aos olhos de Jahvé», repete frequentemente o livro dos Reis. A infidelidade à Aliança provoca calamidades (guerras, exílios, etc.). Apesar do pecado Deus intervém, «escrevendo direito mesmo em linhas tortas», fazendo, apesar de tudo, avançar progressivamente o Seu desígnio de Salvação.
O desígnio de Deus mostra-se, portanto, ligado aos acontecimentos da história. O povo de Israel conheceu a Deus sobretudo a partir da sua história, a partir da acção de Deus em seu favor e da Palavra.
Que nos diz a nossa experiência sobre esta relação entre a fé em Deus e os acontecimentos da história? Não será que muitos acontecimentos são entendidos como negação da Providência de Deus? Como por exemplo os desastres, a opressão dos mais débeis, as guerras, o sofrimento inocente, etc?
Em relação à transformação contínua que se verifica na sociedade (mudança de cultura, de hábitos, etc) qual a atitude mais frequente que notais à vossa volta? De pessimismo e receio do futuro? De optimismo e de esperança? Ou a sensação de divisão interior e de relativização de tudo?
A fé cristã aparece, no vosso ambiente, apenas ligada ao passado ou também como incentivo a confiar e a construir o futuro? Leva ao compromisso com as realidades sociais ou ao desinteresse pelos acontecimentos da história?
Que orientações podemos colher na sagrada Escritura sobre esta problemática? É a reflexão que vamos fazer.

2. A SALVAÇÃO DE DEUS REALIZA-SE NA HISTÓRIA DOS HOMENS

2.1. A Aliança vivida na história
O pacto de Aliança estabelecia uma comunhão existencial entre Deus e o povo israelita sintetizada na fórmula: «Eu serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo». Da parte do povo implica a fidelidade aos mandamentos. Porém, o povo de Deus, em contacto com outros povos ou perante as dificuldades, nem sempre correspondeu à Aliança. Logo junto do Sinai os israelitas fabricaram um bezerro de oiro e adoraram-no. Preferiram um Deus a seu gosto ou à sua medida.
Perante a infidelidade do povo, Deus permite vários castigos e deixa que a peregrinação pelo deserto se prolongue por muitos anos de modo que o povo se purifique antes de entrar na Terra Prometida (cf. Deut 8,2-3).
Deus permanece fiel e continua, apesar de tudo, a proteger o povo através de vários dons miraculosos, como: o maná; a água que brota do rochedo: a coluna de fogo.
Finalmente, depois de 40 anos de peregrinação pelo deserto, tendo já Moisés morrido, o povo entra na Terra Prometida, condizido por Josué, sucessor de Moisés (cf. Josué 1, 1-4)
A posse da Terra Prometida não garantiu a fidelidade do povo nem realizou definitivamente as promessas de Deus. O povo continua sujeito às tentações que agora se concretizam na sedução dos falsos deuses dos povos vizinhos, esquecendo frequentemente a Aliança com Deus que os libertara do Egipto. Os próprios reis de Israel, escolhido para orientar o povo na fidelidade à Aliança, se deixam tentar pela idolatria e pela iniquidade.
O povo de Israel escolhido desde Abraão como povo santo de Deus, libertado do Egipto, objecto de aliança, aparece-nos assim como um povo cuja história é marcada pela intervenção de Deus. Estas intervenções marcam a sua consciência religiosa, são guardadas de memória e transmitidas de pais para filhos. A própria liturgia manifesta esta experiência histórica da protecção de Deus. Assim o Credo do povo de Israel, mais que um conjunto de afirmações doutrinais sobre Deus, é uma narração de acontecimentos históricos nos quais tomaram consciência da presença, orientação e protecção de Deus (ler Deut 26, 5-10).

2.2. Os profetas actualizam a Aliança
Devido à infidelidade do povo, a residência na Terra Prometida não foi uma posse serena mas frequentemente ameaçada. Algumas vezes, o povo é desterrado para o exílio e frequentemente dominado por povos estrangeiros que tentavam apagar a memória religiosa de Israel. Deus, porém, envia profetas que mantêm viva no povo a consciência de Aliança.
Os profetas aparecem-nos profundamente atentos aos acontecimentos do seu tempo, interpretando-os à luz da Aliança e decifrando neles a realização do desígnio de Deus. Os acontecimentos salvíficos do passado, como o Êxodo, a Aliança e a entrada na Terra Prometida, constituem para os profetas uma chave de leitura e de compreensão da história do seu tempo. Os profetas mostram-se homens da Palavra de Deus situada na história, procurando descobrir os apelos de Deus nas situações concretas. A interpretação da Aliança é sempre actualizada em resposta ao presente e como perspectiva de entender o futuro.

2.3. A Aliança como realidade dinâmica
A Aliança entende-se, pois, não como realidade estática, mas dinâmica, que progride para a perfeição, que conhece fases de desenvolvimento e um contínua actualização. É interpretada como promessa de Deus que se projecta para o futuro e atravessa toda a história de Israel. Os acontecimentos da história são, por isso, entendidos como etapas da realização progressiva da Promessa de Deus a Abraão e à sua descendência:
- a libertação do Egipto
- a travessia do mar Vermelho
- a assistência na peregrinação pelo deserto
- a Aliança no Sinai
- a entrada na Terra Prometida.
O povo experimenta continuamente a dificuldade de permanecer fiel ao caminho indicado por Deus. A fidelidade só é possível se for constantemente alimentada e renovada.
As infidelidades do povo à Aliança levam os profetas a concluir a insuficiência do Antigo Testamento e a anunciar, para o futuro, uma nova Aliança. Assim a perfeita comunhão com Deus só no futuro se realizará.

2.4. Jesus Cristo centro da história da Salvação
O acontecimento histórico que mais profundamente determina a realização do plano de salvação de Deus é a vida de Jesus, sobretudo a sua morte e ressurreição. Também este acontecimento se situa na realização da Promessa que vem desde Abraão: «Tomou a Seu cuidado a Israel seu servo lembrado da Sua misericórdia como tinha prometido a nossos pais a Abraão e à sua descendência para sempre» (Lc 1, 54).
Podemos, pois, concluir que toda a história é orientada por Deus para realização da Salvação. O plano de Salvação de Deus dá sentido à história e unidade aos acontecimentos. Jesus Cristo é entendido como centro de realização deste plano. Ele veio quando o tempo (da preparação) chegou ao fim (a plenitude dos tempos) e inaugurou a presença do Reino. Mas, ao mesmo tempo, orienta-se para o Reino que há-de vir, convidando-nos a prepará-lo. Com Ele o Reino «já» chegou mas «ainda não» atingiu o seu termo.
O desígnio de Salvação continua a progredir. Somos convidados a colaborar na sua realização. Esperamos o novo céu e a nova terra em que habita a justiça e a paz. Essa Jerusalém celeste é dom de Deus, desce do céu, mas é também fruto da nossa colaboração em construirmos os valores do Reino: a justiça, a paz, a fraternidade entre os homens (cf. Apoc 21, 1-7; G S nºs 39 e 45)

3. CONFIAR E COLABORAR NO DESÍGNIO DE SALVAÇÃO

3.1. Confiar no futuro
A história encaminha-se para a plenitude, para a novidade constante do Reino de Deus. Como cristãos, não podemos desejar um regresso ao passado, aos bons velhos tempos de antigamente. Deus, Aquele «que faz novas todas as coisas» (Apoc 21, 5), convida-nos a confiar no futuro e a prepará-lo. Ele caminha connosco, vai à nossa frente, fazendo crescer a semente do Reino que Jesus Cristo lança na terra e no coração dos homens.

3.2. Escutar Deus no presente
A orientação para o futuro e o compromisso com o presente devem assentar na memória do passado. É através da reflexão nos acontecimentos passados (Eleição e Promessa a Abraão, Êxodo, Aliança, etc.) que encontramos luz para entender o presente e para perspectivar o futuro. Daí a importância do conhecimento da Bíblia. Ela contém a memória do Povo de Deus, não apenas como um livro do passado mas como Palavra de Deus sempre actual que ilumina o presente e o futuro. Na Sagrada Escritura devemos escutar o apelo de Deus que se dirige hoje a cada um de nós, convidando-nos à fidelidade ao Seu projecto.

3.3. Testemunhar a Esperança
Se o futuro pertence a Deus que conduz a história dos homens somos convidados a viver em atitude de esperança.
O tempo do Advento põe-nos em contacto com algumas figuras do Antigo Testamento que nos orientam a esperar o Senhor que vem. O senhor vem continuamente ao nosso encontro. Nós, a Igreja peregrina, devemos procurar os caminhos do Reino que Jesus já inaugurou mas ainda não realizou definitivamente. Somos peregrinos a caminho do novo Céu e nova Terra que deus preparar para os seus eleitos. «A expectativa da nova terra não deve, porém, enfraquecer mas antes activar a solicitude em ordem a desenvolver esta terra, onde cresce o corpo da nova família humana» (GS 39).
Assim a Esperança não é uma atitude passiva, que nos leve a esperar de braços cruzados, mas uma atitude activa que leva ao compromisso de colaborar na construção do reino de Deus.
M. Pelino - A. Marto

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