No livro As Sereias de Titã, Kurt Vonnegut, um escritor americano de ficção científica, narra como a história humana foi manipulada de modo a tornar os seres humanos capazes de fabricar uma pequena peça de metal para uma nave espacial que se dirige do planeta Tralfamadore, na Pequena Nuvem de Magalhães, para uma galáxia distante, com a missão de entregar uma mensagem de saudações, e que se avariou ao passar pelo Sistema Solar. Se, tendo a história de Vonnegut por referência, perguntarmos qual o sentido da vida humana, a resposta terá forçosamente de ser «fabricar uma peça para permitir entregar uma mensagem numa galáxia distante». Esta resposta sugere que a palavra «sentido», além de ter o significado que acabámos de ver, também pode, pelo menos em certos contextos, querer dizer propósito, finalidade ou desígnio, como quando, por exemplo, perguntamos «Qual o sentido de fazer sofrer um animal indefeso?». Por conseguinte, a pergunta sobre o sentido da vida pode também significar «Qual o propósito ou a finalidade da vida?». Nesta acepção, a pergunta está longe de não ter sentido e de ser incoerente. Já não se trata de dizer que a vida tem significado, no sentido que o termo tem em linguística, mas de saber qual o objectivo da vida. É mesmo com este sentido, com o sentido de «objectivo» ou «finalidade», que a expressão «sentido da existência» é geralmente usada quando se fala do problema do sentido da vida. A história de Vonnegut contém ainda uma outra implicação. É impossível não ter a impressão de que se a finalidade da vida humana é produzir uma peça insignificante para permitir levar uma mensagem, também ela insignificante, a uma galáxia longínqua, a vida tem pouco que a faça merecer ser vivida. Isto sugere que para que a vida tenha sentido não basta que tenha um propósito ou finalidade. É também necessário que esse propósito tenha valor, que seja de alguma forma importante. (…) A razão está em que quando nos interrogamos acerca do sentido da vida não queremos apenas saber qual o objectivo que ela pode ter. Procuramos também uma justificação para a nossa existência, algo que lhe dê valor e que a faça merecer a pena ser vivida. Perguntar, então, qual o sentido da vida implica perguntar como devemos viver para que a nossa vida mereça a pena ser vivida. Talvez a melhor forma de entenderes isto seja imaginares-te no fim da vida, já muito idoso, às portas da morte, olhando para o passado e perguntando a ti mesmo se a tua vida teve sentido (ou, se preferires, uma vez que o resultado é o mesmo, imaginares-te agora a perguntares a ti mesmo como deves viver a tua vida para que, uma vez velhinho, possas dizer que ela teve sentido). Chegarás facilmente à conclusão de que há apenas duas coisas que interessam para responder a essa questão: 1) saber se a tua vida teve um ou mais objectivos; e 2) saber se esse objectivo ou objectivos têm valor. Se a tua resposta a estas perguntas for em ambos os casos afirmativa, então a tua vida teve sentido. Se, pelo contrário, nenhuma das tuas respostas ou se apenas uma foi afirmativa, então a tua vida não teve sentido.
Álvaro Nunes, A religião e o sentido da existência 2008
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