quarta-feira, 5 de maio de 2010

Sexto Encontro, Deus conduz a história para a salvação


1. RELAÇÃO ENTRE A FÉ E OS ACONTECIMENTOS DA HISTÓRIA
Nos encontros anteriores verificámos que Deus se revela no Antigo Testamento como um Deus próximo, presente e atento á vida do povo de Israel, preocupado em orientar a história pelos caminhos da justiça e da paz.
No entanto, o desígnio de Deus choca com a liberdade e com o pecado do povo e dos chefes, «O Rei e o povo fizeram o que era mão aos olhos de Jahvé», repete frequentemente o livro dos Reis. A infidelidade à Aliança provoca calamidades (guerras, exílios, etc.). Apesar do pecado Deus intervém, «escrevendo direito mesmo em linhas tortas», fazendo, apesar de tudo, avançar progressivamente o Seu desígnio de Salvação.
O desígnio de Deus mostra-se, portanto, ligado aos acontecimentos da história. O povo de Israel conheceu a Deus sobretudo a partir da sua história, a partir da acção de Deus em seu favor e da Palavra.
Que nos diz a nossa experiência sobre esta relação entre a fé em Deus e os acontecimentos da história? Não será que muitos acontecimentos são entendidos como negação da Providência de Deus? Como por exemplo os desastres, a opressão dos mais débeis, as guerras, o sofrimento inocente, etc?
Em relação à transformação contínua que se verifica na sociedade (mudança de cultura, de hábitos, etc) qual a atitude mais frequente que notais à vossa volta? De pessimismo e receio do futuro? De optimismo e de esperança? Ou a sensação de divisão interior e de relativização de tudo?
A fé cristã aparece, no vosso ambiente, apenas ligada ao passado ou também como incentivo a confiar e a construir o futuro? Leva ao compromisso com as realidades sociais ou ao desinteresse pelos acontecimentos da história?
Que orientações podemos colher na sagrada Escritura sobre esta problemática? É a reflexão que vamos fazer.

2. A SALVAÇÃO DE DEUS REALIZA-SE NA HISTÓRIA DOS HOMENS

2.1. A Aliança vivida na história
O pacto de Aliança estabelecia uma comunhão existencial entre Deus e o povo israelita sintetizada na fórmula: «Eu serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo». Da parte do povo implica a fidelidade aos mandamentos. Porém, o povo de Deus, em contacto com outros povos ou perante as dificuldades, nem sempre correspondeu à Aliança. Logo junto do Sinai os israelitas fabricaram um bezerro de oiro e adoraram-no. Preferiram um Deus a seu gosto ou à sua medida.
Perante a infidelidade do povo, Deus permite vários castigos e deixa que a peregrinação pelo deserto se prolongue por muitos anos de modo que o povo se purifique antes de entrar na Terra Prometida (cf. Deut 8,2-3).
Deus permanece fiel e continua, apesar de tudo, a proteger o povo através de vários dons miraculosos, como: o maná; a água que brota do rochedo: a coluna de fogo.
Finalmente, depois de 40 anos de peregrinação pelo deserto, tendo já Moisés morrido, o povo entra na Terra Prometida, condizido por Josué, sucessor de Moisés (cf. Josué 1, 1-4)
A posse da Terra Prometida não garantiu a fidelidade do povo nem realizou definitivamente as promessas de Deus. O povo continua sujeito às tentações que agora se concretizam na sedução dos falsos deuses dos povos vizinhos, esquecendo frequentemente a Aliança com Deus que os libertara do Egipto. Os próprios reis de Israel, escolhido para orientar o povo na fidelidade à Aliança, se deixam tentar pela idolatria e pela iniquidade.
O povo de Israel escolhido desde Abraão como povo santo de Deus, libertado do Egipto, objecto de aliança, aparece-nos assim como um povo cuja história é marcada pela intervenção de Deus. Estas intervenções marcam a sua consciência religiosa, são guardadas de memória e transmitidas de pais para filhos. A própria liturgia manifesta esta experiência histórica da protecção de Deus. Assim o Credo do povo de Israel, mais que um conjunto de afirmações doutrinais sobre Deus, é uma narração de acontecimentos históricos nos quais tomaram consciência da presença, orientação e protecção de Deus (ler Deut 26, 5-10).

2.2. Os profetas actualizam a Aliança
Devido à infidelidade do povo, a residência na Terra Prometida não foi uma posse serena mas frequentemente ameaçada. Algumas vezes, o povo é desterrado para o exílio e frequentemente dominado por povos estrangeiros que tentavam apagar a memória religiosa de Israel. Deus, porém, envia profetas que mantêm viva no povo a consciência de Aliança.
Os profetas aparecem-nos profundamente atentos aos acontecimentos do seu tempo, interpretando-os à luz da Aliança e decifrando neles a realização do desígnio de Deus. Os acontecimentos salvíficos do passado, como o Êxodo, a Aliança e a entrada na Terra Prometida, constituem para os profetas uma chave de leitura e de compreensão da história do seu tempo. Os profetas mostram-se homens da Palavra de Deus situada na história, procurando descobrir os apelos de Deus nas situações concretas. A interpretação da Aliança é sempre actualizada em resposta ao presente e como perspectiva de entender o futuro.

2.3. A Aliança como realidade dinâmica
A Aliança entende-se, pois, não como realidade estática, mas dinâmica, que progride para a perfeição, que conhece fases de desenvolvimento e um contínua actualização. É interpretada como promessa de Deus que se projecta para o futuro e atravessa toda a história de Israel. Os acontecimentos da história são, por isso, entendidos como etapas da realização progressiva da Promessa de Deus a Abraão e à sua descendência:
- a libertação do Egipto
- a travessia do mar Vermelho
- a assistência na peregrinação pelo deserto
- a Aliança no Sinai
- a entrada na Terra Prometida.
O povo experimenta continuamente a dificuldade de permanecer fiel ao caminho indicado por Deus. A fidelidade só é possível se for constantemente alimentada e renovada.
As infidelidades do povo à Aliança levam os profetas a concluir a insuficiência do Antigo Testamento e a anunciar, para o futuro, uma nova Aliança. Assim a perfeita comunhão com Deus só no futuro se realizará.

2.4. Jesus Cristo centro da história da Salvação
O acontecimento histórico que mais profundamente determina a realização do plano de salvação de Deus é a vida de Jesus, sobretudo a sua morte e ressurreição. Também este acontecimento se situa na realização da Promessa que vem desde Abraão: «Tomou a Seu cuidado a Israel seu servo lembrado da Sua misericórdia como tinha prometido a nossos pais a Abraão e à sua descendência para sempre» (Lc 1, 54).
Podemos, pois, concluir que toda a história é orientada por Deus para realização da Salvação. O plano de Salvação de Deus dá sentido à história e unidade aos acontecimentos. Jesus Cristo é entendido como centro de realização deste plano. Ele veio quando o tempo (da preparação) chegou ao fim (a plenitude dos tempos) e inaugurou a presença do Reino. Mas, ao mesmo tempo, orienta-se para o Reino que há-de vir, convidando-nos a prepará-lo. Com Ele o Reino «já» chegou mas «ainda não» atingiu o seu termo.
O desígnio de Salvação continua a progredir. Somos convidados a colaborar na sua realização. Esperamos o novo céu e a nova terra em que habita a justiça e a paz. Essa Jerusalém celeste é dom de Deus, desce do céu, mas é também fruto da nossa colaboração em construirmos os valores do Reino: a justiça, a paz, a fraternidade entre os homens (cf. Apoc 21, 1-7; G S nºs 39 e 45)

3. CONFIAR E COLABORAR NO DESÍGNIO DE SALVAÇÃO

3.1. Confiar no futuro
A história encaminha-se para a plenitude, para a novidade constante do Reino de Deus. Como cristãos, não podemos desejar um regresso ao passado, aos bons velhos tempos de antigamente. Deus, Aquele «que faz novas todas as coisas» (Apoc 21, 5), convida-nos a confiar no futuro e a prepará-lo. Ele caminha connosco, vai à nossa frente, fazendo crescer a semente do Reino que Jesus Cristo lança na terra e no coração dos homens.

3.2. Escutar Deus no presente
A orientação para o futuro e o compromisso com o presente devem assentar na memória do passado. É através da reflexão nos acontecimentos passados (Eleição e Promessa a Abraão, Êxodo, Aliança, etc.) que encontramos luz para entender o presente e para perspectivar o futuro. Daí a importância do conhecimento da Bíblia. Ela contém a memória do Povo de Deus, não apenas como um livro do passado mas como Palavra de Deus sempre actual que ilumina o presente e o futuro. Na Sagrada Escritura devemos escutar o apelo de Deus que se dirige hoje a cada um de nós, convidando-nos à fidelidade ao Seu projecto.

3.3. Testemunhar a Esperança
Se o futuro pertence a Deus que conduz a história dos homens somos convidados a viver em atitude de esperança.
O tempo do Advento põe-nos em contacto com algumas figuras do Antigo Testamento que nos orientam a esperar o Senhor que vem. O senhor vem continuamente ao nosso encontro. Nós, a Igreja peregrina, devemos procurar os caminhos do Reino que Jesus já inaugurou mas ainda não realizou definitivamente. Somos peregrinos a caminho do novo Céu e nova Terra que deus preparar para os seus eleitos. «A expectativa da nova terra não deve, porém, enfraquecer mas antes activar a solicitude em ordem a desenvolver esta terra, onde cresce o corpo da nova família humana» (GS 39).
Assim a Esperança não é uma atitude passiva, que nos leve a esperar de braços cruzados, mas uma atitude activa que leva ao compromisso de colaborar na construção do reino de Deus.
M. Pelino - A. Marto

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Quinto Encontro: Os profetas anunciam um Salvador

1. ACTUALIDADE DA MENSAGEM DOS PROFETAS

Depois de Moisés houve outros profetas.
Moisés morreu antes de entrar na terra Prometida. Sucedeu-lhe Josué na condução do Povo de Deus. Abençoado por Moisés, Josué continua a encontrar na Aliança a base da existência de Israel. A este novo condutor Deus promete também assistência e entrega-lhe a tarefa de introduzir o povo na terra de Canaan, hoje conhecida por Palestina (Ler Josué, 1:2-9).
A entrada neste país é entendida por Israel como o cumprimento das promessas feitas a Abraão (cf. Génesis 17:8) e como continuação da Aliança do Sinai. A terra de Canaan é, para Israel, a terra «onde corre leite e mel» e a «Terra da Promessa». Deus continua assim a intervir na história deste povo orientando-a segundo a Promessa e a Aliança feita com os antepassados.
A residência em Canaan marca um período diferente na história religiosa de Israel. Verifica-se uma mudança de estilo de vida: as tribos nómadas do deserto adquirem agora uma vida sedentária: tornam-se agricultores e pastores com residência estável. Entram, por outro lado, em contacto com outros povos mais evoluídos na agricultura, com o perigo de contágio pelas suas divindades ligadas à fecundidade, talvez mais sedutoras que o Deus invisível que os libertara do Egipto e os conduzira pelo deserto. Será possível manter o monoteísmo em contacto com o politeísmo de Canaan?
Segundo a ordem natural das coisas, atestada pela história das religiões, nestas circunstâncias a crença das tribos seria substituída pelas divindades agrícolas dos povos circundantes. Na realidade, porém, Israel constitui uma excepção mantendo-se fiel ao Deus da sua história.
A fidelidade à aliança não se manteve, porém, isenta de tentações. Frequentemente, o povo se deixa seduzir pelos falsos deuses caindo na idolatria e na infidelidade.
Para chamar o povo à fidelidade à Aliança e o manter na esperança da Salvação, Deus envia-lhe profetas. Durante vários séculos foram os profetas que orientaram o povo de Israel na vida religiosa, transmitindo a Palavra de Deus, lembrando a fidelidade à Aliança e despertando a esperança na vinda de um Salvador.
Precisamos de profetas verdadeiros que anunciem a esperança e a salvação para todos os homens; que proclamam a mensagem evangélica de sempre com roupagem nova e actual; que preguem a verdade mesmo que seja dura, desagradável e desinstaladora; que acreditem num mundo melhor e se comprometam com a sua edificação.
Mas os profetas concretos não são a corporificação dos nossos sonhos de verdade e de paz. São enviados de Deus, proclamam uma mensagem que lhes é confiada, indicam os caminhos de Deus que nem sempre coincidem com os caminhos dos homens. Vamos então descobrir na Sagrada escritura a verdadeira identidade e as tarefas dos profetas e esclarecer como se realiza hoje a missão profética.

2. OS PROFETAS CHAMAM À FIDELIDADE E À ESPERANÇA

2.1. Os profetas transmitem a Palavra de Deus
Os profetas não são bruxos ou visionários. São chamados por Deus para transmitir ao povo a palavra d’ Ele. A mensagem que comunicam não é sua, mas foi-lhes directamente confiada por Deus. São, por isso, os porta-vozes de Deus, os que falam em nome de Deus.
A missão dos profetas vem a seguir a um chamamento pessoal, que os marca profundamente (a vocação) e apoia-se numa intimidade privilegiada com Deus (como Moisés são íntimos de Deus e solidários com o povo). São iluminados pelo Espírito de Deus que lhes concede um conhecimento mais profundo do Seu desígnio de Salvação. Por isso, os profetas vêem mais longe que o comum das pessoas e interpretam a Aliança de uma maneira sempre nova.
Os profetas contribuem para realçar a importância da palavra de Deus na vida de Israel. É a Palavra de Deus que orienta a vida deste povo. Através dela, Deus está presente na história de Israel e dá sentido aos acontecimentos. A Palavra de Deus era guardada e transmitida pela tradição oral. Actualizada pelos profetas, celebrada no culto.
Assim, assistido pela Palavra de Deus e guiado pelos profetas, o povo de Israel mantém a sua fé num Deus único e universal, ultrapassando duas grandes tentações: a do politeísmo e a de uma religião nacional (exclusiva para este povo). Também neste aspecto o povo hebreu é único na história das religiões.

2.2. Os profetas defendem a santidade de Deus e os direitos dos homens
Os profetas são antes de mais defensores dos direitos de Deus. Purificam a verdadeira fé das deformações provenientes da mesquinhez dos homens. Defendem a pureza da Aliança impedindo que seja submetida aos interesses pessoais, sobretudo dos poderosos, ou adaptada às necessidades e esquemas mentais do povo. Nesse sentido, condenam sem tréguas a hipocrisia, a mentira, a injustiça.
A verdade na relação com Deus reflecte-se na verdade da relação com o próximo. O amor a Deus manifesta-se no amor aos homens, na solidariedade com os pobres e oprimidos. Por isso, em nome do amor de Deus, o profeta denuncia a injustiça, a opressão e a infidelidade. Não como revolucionário, mas como testemunha de Deus. Não por interesses pessoais (de lucro ou de carreira) mas baseado na liberdade de testemunha de Deus no mundo.
A defesa da transcendência de Deus conduz os profetas à defesa da dignidade de todos os homens denunciando corajosamente os abusos dos poderosos em relação aos mais desprotegidos: «vendem o justo por dinheiro e o pobre por um para de sandálias» (Amós 2, 6). A aliança com Deus implica uma relação de justiça com o próximo baseada no reconhecimento da dignidade e dos direitos de todos os homens. Por isso, condenam o culto quando desligada da caridade para com o próximo (cf Isaías 58, 6-8).

2.3 Os profetas anunciam um Salvador que há-de vir
Desde Abraão, a Moisés e aos Profetas, a história de Israel está orientada pelas Promessas de Deus. Deus prometera a Abraão uma terra, a bênção e posteridade. Talvez nalguns períodos estas promessas tenham sido entendidas de um modo muito material. A terra prometida seria apenas o território geográfico de Canaan? A posteridade limitar-se-ia à descendência de sangue? A bênção consistiria unicamente na protecção contra os inimigos?
Os profetas ajudam a purificar e a espiritualizar a compreensão das promessas de Deus. A terra prometida é o reino de Deus, um mundo onde haja paz, onde Deus esteja presente e os homens sejam irmãos. A bênção orienta-se sobretudo a uma nova presença de Deus no meio do povo, a uma Aliança mais interior (gravada no coração) e a uma geração que será formada pelos crentes entre todos os povos.
As promessas de Deus começam a concretizar-se na espera de um personagem misterioso que virá trazer a Salvação. Esse personagem é chamado o «Messias», que em português significa «Ungido». Ele terá realmente a plenitude da «unção» ou «consagração», que lhe confere a plenitude do Espírito e inaugurará uma nova relação entre Deus e os homens, e dos homens entre si (Ler Isaías 11:1-9).
Assim os profetas não fazem só apelo à Aliança do passado mas orientam as pessoas para um acontecimento futuro que há-de transformar o curso da história humana. Rasgam, portanto, horizontes novos quando tudo parece perdido, e animam a esperança em épocas de crise (como aconteceu no período do exílio).
Este Messias esperado é descrito umas vezes como um grande rei, outras como o servo humilde que dá a vida em redenção dos pecados do povo (Ler Isaías 53:2-8). Assim compreendemos que o povo de Israel tenha formulado, acerca do Messias, ideias diferentes, umas vezes entendendo-o como uma figura política, outras vezes como uma figura espiritual.

3. PARTICIPAMOS DA MISSÃO PROFÉTICA

3.1. Jesus Cristo e a Igreja continuam a missão dos profetas

Os profetas de Israel terminaram. No século I as autoridades judaicas consideraram encerrada a formação da Bíblia. Terá terminado também a profecia como missão confiada por Deus aos homens?
O Novo Testamento (Evangelho e cartas) afirma o contrário: contrário: Depois dos profetas do Antigo Testamento veio o «profeta por excelência» em que a profecia alcançou a plenitude: «Tendo Deus falado outrora aos nossos pais, muitas vezes e de muitas maneiras, pelos Profetas, nestes tempos, que são só últimos, falou-nos por Seu próprio Filho» (Hebreus 1:1-2; cf. Actos 2:21-23). Jesus é entendido como continuação e realização perfeita dos profetas. Aos olhos do povo que O escutavam Ele era considerado um grande profeta: como os profetas Ele tem uma profunda intimidade com Deus; apoiando-se e comentando o Antigo Testamento dá-lhe porém uma interpretação nova; fala com autoridade e liberdade ainda maiores que os profetas.
Jesus Cristo aceita o título de profeta e entende-se a Ele mesmo como o profeta definitivo: «ouvistes que foi dito: eu porém digo-vos».
Ao terminar a existência terrena Jesus confia à Igreja a tarefa de continuar a sua missão profética. Todo o povo de Deus da Nova Aliança, todos os membros da Igreja de Jesus Cristo, participam hoje da função profética (cf. 1 Pedro 2:9). Realiza-se assim um anseio expresso por Moisés: «Quem dera que todos os membros do Povo de Deus fossem profetas e que O Senhor fizesse poisar o Seu Espírito sobre eles» (Números 1:24-30). Embora alguns cristãos recebam maiores dons do espírito para esta tarefa e possam exercer a profecia de modo mais pleno, no entanto, todos são chamados a testemunhar a fé tanto pela exemplaridade de vida cristã como pela proclamação da Palavra de Deus.

3.2. Escutar a Palavra de Deus e deixar-se transformar por ela
Deus fala, não é mudo, dirige-se aos homens, não se fecha em si mesmo. Este é um dado constante da revelação judaico-cristã. O grande meio de que se serve para entrar em comunicação connosco é a palavra humana dos intermediários que chama a esta missão.
Assim, a Palavra de Deus chega até nós através da palavra humana dos intermediários que apresentam garantias de credibilidade do chamamento a esta missão. Escutar a Palavra de Deus através das palavras humanas permanece sempre a grande fonte de fé.
A Palavra de Deus apresenta uma novidade constante em resposta às circunstâncias de cada época. Tendo a sua norma na Sagrada Escritura, situando-se em continuidade com a Revelação das origens, é, no entanto, uma iluminação de cada época presente e dos problemas reais dos homens.
Verificamos, assim, a importância de escutar assiduamente a Palavra de Deus, e a meditar no coração para atingir o seu sentido profundo e sempre novo, de a traduzir em obras para alcançar a sabedoria: «Quem escuta as minhas palavras e as põe em prática é como o homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha» (Mateus 7:24). Depois de escutar, meditar e praticar a Palavra de Deus, podem então os cristãos testemunhar o Evangelho no mundo.
M. Pelino - A. Marto

terça-feira, 6 de abril de 2010

Quarto Encontro: O Deus da aliança

1. REPRESENTAÇÕES DE DEUS À MEDIDA DO HOMEM
Moisés encontrou Deus no monte Horeb e viveu depois confiante na Sua presença protectora. Falava com Deus cara a cara, como um amigo ao amigo. Conheceu Deus como Alguém atento aos sofrimentos do povo e interessado na sua libertação. Também o povo hebreu experimentou a intervenção de Deus no Êxodo – na libertação do Egipto.
No entanto, esta experiência parece não corresponder à situação da nossa época. Hoje Deus parece ausente ou, pelo menos, longínquo. Muitas pessoas vivem como se Ele não existisse, contentando-se com os valores materiais.
Alastra hoje uma mentalidade pragmática. Predominam os valores materiais. As verdades apreciam-se pela sua utilidade («para que serve?»).
Nesta mentalidade, a religião e Deus correm o risco de serem apreciados também pelo proveito que trazem às pessoas. Deus é entendido como um Ser Superior que pode orientar em nosso favor as realidades que nos escapam e valer-nos em momentos de aflições. Não há a preocupação de conhecer quem Deus é ou o que pretende. Importa a utilidade que pode ter. Instrumentaliza-se Deus em proveito próprio.
Nesta concepção utilitária, Deus está desligado da vida quotidiana. De facto, nas atitudes e comportamentos, nos negócios ou divertimentos, Deus não é rentável. Aí contam os valores materiais, os interesses ou prazeres imediatos.
A vida do comum das pessoas é realmente dispersa, movimentada, cheia de ocupações ou distracções imediatas. Deus não tem espaço. As pessoas vivem distraídas com muitas solicitações. Deus não chama a atenção, não faz publicidade. Cheias de si mesmas e das suas coisas, as pessoas não têm disposição para a procura do sentido. Vivem do periférico, do efémero. Deus conta na medida e nos momentos em que é útil.
Outra representação de Deus, deformada pela limitação do homem, é a de juiz que castiga. Esta imagem de Deus conduz a uma religião motivada pelo medo. Cumpre-se na medida em que se teme o castigo de Deus nesta vida ou na outra (Inferno). À medida que as pessoas se libertam do medo como acontece actualmente, esquecem-se de Deus.
Estas representações de Deus verificam-se também no nosso meio? Em que factos as notais? Como se explica esta redução de Deus aos interesses humanos? Que consequências negativas acarretam ao cristianismo?
Quais os maiores impedimentos que se colocam ao homem actual para descobrir o verdadeiro rosto de Deus?
Damos conta que o apego das pessoas aos seus interesses e esquemas as impede de descobrir o verdadeiro rosto de Deus. De facto, Deus é um mistério escondido que nos ultrapassa. Não se pode reduzir à nossa medida ou utilidade. Para O descobrir, é necessário sair das seguranças que construímos, pôr em questão os esquemas a que nos apegamos, purificar-se do egoísmo que tudo reduz à nossa medida, libertar-se das inúmeras distracções que nos alienam. Só deste modo podemos encontrar o Deus que liberta e dá sentido e conteúdo à nossa existência. É o desafio que nos coloca o tema da Aliança.

2. DEUS FAZ ALIANÇA COM O SEU POVO
2.1 A purificação no deserto

A primeira fase da caminhada para a liberdade foi a saída de Israel, da terra da escravidão. Mas, depois, ainda havia muito caminho a fazer e, por vezes, cheio de surpresas.
Atravessando o mar vermelho, abre-se diante do povo o horizonte desolador do deserto, apenas ponteado por uma série de oásis. Os israelitas caminharam três dias sem encontrar água. Chegaram então a Mara, onde havia um poço. Todavia a água era salobra, amarga, não era própria para beber. Logo começaram a murmurar contra Moisés. Este descobriu ali um arbusto que tinha a virtualidade de desinfectante e lançou-se às águas. Puderam dessedentar-se. Deus apresenta-se como médico do Seu povo, que cuida da sua saúde para o tornar um povo são. Mas, lembra-lhe que, para isso, é preciso escutar a voz do Senhor.
Surge uma nova provação: a fome. O povo encontra-se angustiado. Arrepende-se do risco da aventura difícil em que se meteu. Tem saudades do passado da escravidão, da gaiola dourada do Egipto onde havia abundância de pão e carne. E queixa-se: «Oxalá tivéssemos sido mortos pela mão do Senhor no Egipto, quando nos assentávamos diante das panelas de carne…» (Êxodo 16:3). Deus revela-se salvador do povo faminto. Através de uma emigração de cordonizes e do maná (seiva solidificada em grão, de um arbusto no deserto), sacia a fome do povo. Moisés, porém, adverte que cada um não recolha mais que o necessário para que não falte a ninguém.

Numa etapa sucessiva, em Meriba, os israelitas estão devorados como nunca pela sede. Agora entram em contenda com Moisés: «Porque nos fizestes sair do Egipto? Para nos fazer morrer de sede com nossos filhinhos e rebanhos?» (Êxodo 17:3). De novo, Deus providenciou através de Moisés para encontrar água num rochedo.
Qual o significado desta travessia do deserto com todas estas dificuldades? À primeira vista, poderia parecer inútil, sem qualquer justificação. Porém, através das provações do deserto, Deus educa o Seu povo (cf. Deuteronómio 8:2-6):
- A liberdade é um dom de Deus, mas também tarefa nossa. O caminho para a liberdade e para a salvação passa sempre através de provações, tentações, riscos, sofrimentos e até do perigo de morte. Então é necessário que o povo experimente que a verdadeira liberdade tem um preço e faça a aprendizagem do valor e dos sacrifícios que ela exige;
- O deserto educa o povo a caminhar com Deus e a confiar n’ Ele no meio dos riscos e das dificuldades, a alimentar-se sempre da fé. Quando não se alimenta da fé, tem a tentação de voltar atrás;
- Por tudo isto, o deserto é um caminho espiritual de purificação e de conversão. O povo é levado a libertar-se das falsas seguranças e dos ídolos de todas a espécie, a mudar de mentalidades e de hábitos adquiridos, a descobrir que as raízes profundas da alienação estão nele mesmo, na sua infidelidade e na falta de fé. Assim, o caminho pelo deserto afina e apura a fé do povo. Aprende que «não só de pão vive o homem, mas também de todas a Palavra que sai da boca do Senhor» (Deuteronómio 8:3). Só uma sociedade que escuta a Palavra de Deus e a põe em prática é uma sociedade viva, sã e justa.

2.2 A Aliança no Sinai
Finalmente, após três meses de provações no deserto, o povo acampa junto ao Monte Sinai. Moisés volta às origens, ao monte da primeira vocação. Porém, agora não vem sozinho, mas acompanhado pelo povo renascido e purificado no deserto.
Junto do Monte Sinai, dá-se entre Deus e o povo um acontecimento determinante de toda a história da Salvação: Deus faz com o Povo uma aliança. O que é uma aliança? Deus compromete-se a assistir o povo e o povo compromete-se em ser fiel a Deus. Deus torna-se o protector de Israel e este, por sua vez, torna-se propriedade de Deus. Esta pertença a Deus deve traduzir-se no comportamento do povo. Assim, como consequência da Aliança, Moisés entrega ao povo, em nome de Deus, os mandamentos da Lei de Deus – que apontam caminho de fidelidade à aliança.

Ler e comentar brevemente:
Introdução à Aliança: Êxodo 19:3-8.

A iniciativa da aliança de comunhão é tomada por Deus. Começa por evocar os seus gestos de salvação para com o povo no Êxodo e no deserto. «Vós mesmos vistes o que eu fiz…»
O caminho da libertação não foi um andar errante e solitário pelo deserto. Foi ser conduzido «sobre asas da águia», isto é, com a ajuda protectora e libertadora de Deus.
Também não foi um caminho sem meta. Tem um ponto de chegada: «trouxe-vos até mim». Deus e a Sua Aliança é o verdadeiro fim da peregrinação do povo.
Só então é proposta a Aliança: «Agora, se escutardes a minha voz e guardardes a minha Aliança…» Deus quer formar um povo seu – Povo de Deus – um povo santo, consagrado a Ele para que seja testemunha do Seu desígnio de salvação no mundo. Só a Aliança com Deus faz homens novos e um povo novo. Assim, a aliança é estabelecida em ordem à santidade e à justiça.
À proposta de Deus, o povo deve responder com uma decisão livre e responsável: «Faremos tudo o que o senhor nos disse».

Lei da Aliança: Êxodo 20:1-17
A resposta concreta pedida ao povo para permanecer na Aliança com Deus vem expressa do Decálogo (Dez palavras – mandamentos). São a «Carta Magna», a Lei da aliança, já que não existe amor sem lei, sem fidelidade. Os dez mandamentos significam, em última análise, que a verdadeira Aliança e a verdadeira liberdade que Deus oferece e propõe aos homens, nasce do amor a Deus e ao próximo. O povo é então chamado a comprometer-se com Deus no caminho da libertação pelo amor, pela justiça, pela verdade.

Celebração da aliança: Êxodo 24:1-8
A Aliança é celebrada e selada através de um rito e de símbolos. O monte é-nos apresentado como um templo onde se ergue um altar (símbolo de Deus) rodeado por doze colunas de pedra (símbolo das doze tribos do povo), em que se oferece um sacrifício de comunhão expresso pelo sangue. Metade do sangue é aspergido sobre o altar e outra metade sobre o povo. O sangue, para os hebreus, é sinal da vida. Este rito significa que entre Deus e Israel existe agora uma aliança de sangue, isto é, uma comunhão de vida. Deus e o povo estão unidos pelo mesmo sangue, pela mesma vida. São como membros de uma só família, unidos por uma relação de intimidade e amor.
Encontramos aqui os três elementos constitutivos da Aliança: a Palavra de Deus, a adesão do povo e o rito – sinal da comunhão de vida.

3. VIVER A ALIANÇA HOJE
3.1. A nova Aliança e o mandamento novo

A Aliança de Deus com o povo, iniciada no Sinai, tem a sua realização definitiva na nova Aliança em Jesus Cristo.
Em virtude da infidelidade do povo de Israel a Deus, os profetas anunciaram uma nova e futura Aliança (Ler Jeremias 31:31-34). Caracterizar-se-á por uma interiorização profunda do amor de Deus, por um coração novo cheio de fidelidade e sinceridade. Será a Aliança do «homem novo» transformado pelo espírito de Deus. Essa Aliança será realizada por Jesus Cristo. A sua morte na Cruz (sangue derramado) é a expressão da nova Aliança, da comunhão total e definitiva de Deus connosco, cujo memorial é a Eucaristia: «Este é o cálice da nova aliança selada no meu sangue» (1 Coríntios 11:25). E, tal como Moisés leu ao povo os mandamentos da Aliança, assim Jesus, na última ceia, promulgou um mandamento novo: «Dou-vos um mandamento novo: amai-vos uns aos outros; como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros» (João 13:34).

3.2. Os frutos da Aliança
Deus apresenta-se como Alguém próximo do povo e amigo. A Aliança realiza uma comunhão vital entre Deus e o povo. Deus assegura ao povo protecção e pede-lhe, em resposta, fidelidade. A Aliança produz assim frutos positivos:
- torna o povo livre;
- leva as tribos, até aí bastante autónomas e independentes entre si, a formar um povo, unido na mesma fé;
- indica um caminho de santidade e fidelidade através da prática dos mandamentos. Estes não são um jugo, mas uma orientação que indica um caminho de maior perfeição para corresponder à aliança de Deus.
M. Pelino - A. Marto

segunda-feira, 1 de março de 2010

A verdadeira religião

Um dia, uma macaca andava a repetir por toda a floresta que apenas a sua religião era verdadeira. Encontrou-se com um gibão, que provinha de uma raça oriental e desconhecida, e começaram os dois a discutir animadamente.
A macaca insistia: - A minha religião é a única realmente verdadeira.
O gibão, vindo lá dos lados do oriente, chamou-lhe mentirosa. Mas a macaca, com ares de integralista, repetia: - Não, a tua religião não pode ser verdadeira como a minha. Não podem existir duas verdades: por conseguinte, a tua é falsa!
O gibão, que tinha sido educado à tolerância e ao respeito pelas crenças dos outros, não suportava os arrogantes e os muito seguros das suas certezas. Parecia-lhe que era absurdo desprezar a religião do outro, para exaltar a própria.
E repetia à macaca: - Estás a pisar com superficialidade e arrogância um caminho feito por milhões de pessoas ao longo de muitos séculos. O caminho espiritual dos meus antepassados orientais é muito elevado e talvez mais antigo que o da tua tradição. Porque ofendes as pessoas que o seguem?
A sua animada discussão foi interrompida por um velho chimpanzé que estava a rezar diante de uma grande bananeira. Aproximou-se e entrou também ele na discussão teológica acerca da única e verdadeira religião. Disse: - Como sois tontos! O verdadeiro Deus é grande e misericordioso, precisamente como o meu. Ele concede-me os seus frutos e faz-me repousar à sombra das suas folhas.
Estavam assim ocupados a discutir animadamente, quando notaram que havia um grande incêndio a aproximar-se deles e a ameaçar as suas vidas. Quando se deram conta do perigo, o espanto foi tão grande que, acabadas as discussões, procuraram todos salvar a pele. A macaca e o gibão treparam apressadamente para uma árvore e depois lançaram uma corda ao velho chimpanzé. Assim também ele conseguiu subir para a árvore e depois, ajudando-se uns aos outros, conseguiram fugir os três da floresta em chamas. Logo que se sentiram seguros, os três reflectiram acerca da experiência. A solidariedade demonstrada no momento do perigo, para além das divergências em questões de religião, convenceu-os de que era possível chegar a acordo acerca de factos, em vez de se agarrarem a princípios. Cada qual pediu perdão por cada palavra pronunciada com menos respeito pelos outros.
Quando chegou o momento de se separarem, a macaca disse: - Temos de nos juntar mais vezes, para nos ajudarmos uns aos outros. Assim, amando-nos mutuamente, caminharemos juntos para a verdade.
(Adaptado de Sérgio Bocchini)

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Terceiro Encontro: O Êxodo, a fé liberta

1. A FÉ ALIENA E OPRIME? OU LIBERTA?
Comecemos por recapitular as promessas feitas a Abraão: Que promessas fez Deus a Abraão? Que frutos recebeu da fé? A nossa fé é como o caminho de Abraão. Onde nos leva? Habitualmente afirmamos que o fruto da fé é a vida eterna.
Mas, para as pessoas de hoje, geralmente mais preocupadas com esta vida do que com o «além», a vida eterna não é, por vezes, motivante, não desperta muito interesse.
Nesta vida terrena em que agora vivemos, qual o resultado da fé? Contribuiu para uma vida mais feliz e realizada ou a preocupação da vida eterna alterna as pessoas dos compromissos terrenos? A fé é um jugo que impede muitas coisas agradáveis ou é um caminho de realização? Que pensam as pessoas à nossa volta’ Que pensais vós?
Frequentemente, se tem acusado o cristianismo de alienar as pessoas. O marxismo identificou a fé cristã como «ópio do povo», uma espécie de droga que adormece e aliena i povo para o manter tranquilo na miséria, com a esperança da recompensa na vida eterna. Para a psicanálise de Freud, a fé é uma doença psíquica, que mantém a pessoa no infantilismo, lhe rouba a autonomia e a liberdade e se torna fonte de neurose, de desequilíbrios psíquicos. Para outros ainda, a fé é apenas uma muleta para as personalidades fracas, o maior obstáculo à alegria de viver e ao desejo de felicidade.
Estas acusações são um desafio a buscar a verdade e autenticidade da nossa fé. Por isso, vamos agora debruçar-nos sobre uma etapa decisiva da história da salvação: o Êxodo do povo de Deus da escravidão do Egipto para a terra da liberdade. Este grande acontecimento está no centro da fé e Israel, Meditando sobre ele, o povo descobriu o Deus dos pais presente na história da libertação dos homens. Desde então, a profissão de fé de Israel resume-se numa frase: Deus libertou o Seu povo. Uma figura chave para compreender esta epopeia da libertação é Moisés que conduziu p êxodo do povo para a Terra Prometida.

2. DEUS LIBERTOU O SEU POVO
2.1. A opressão do povo no Egipto

A promessa feita por Deus a Abraão é renovada aos seus descendentes: Isaac e Jacob. Este foi o que deu unidade às doze tribos, originadas dos seus filhos, e assim formou o povo de Israel. Entretanto, os filhos de Israel emigraram para o Egipto, em escasso número. Inicialmente, foram bem recebidos pelos egípcios. Mas, logo se tornaram numa grande multidão, devido à extraordinária fecundidade, e isso assustou o Faraó do Egipto. Foram então submetidos a trabalhos forçados, à mais dura escravidão. Como continuavam a proliferar, o Faraó lançou mão da medida mais feroz de controle de natalidade: ordena que todo o menino israelita que nascer seja atirado ao rio.

2.2. Moisés libertador
a) Infância de Moisés

É nesta situação que nasce um menino, cuja mãe para o salvar, o coloca numa cesta calafetada junto ao rio. Quando a filha do Faraó veio tomar banho ao rio, encontrou o menino a chorar, encheu –se de compaixão e adoptou-se e deu-lhe o nome de Moisés, que quer dizer «salvo das águas». Meditando este episódio, a fé de Israel descobriu o significado da infância de Moisés: ele foi objecto de uma especial providência de Deus que o salva e prepara para a sua missão. De facto, foi salvo das águas e introduzido na corte, onde foi educado em toda a sabedoria e cultura dos egípcios. Estava em boa posição e tornara-se uma pessoa importante.

b) Moisés põe-se em fuga
Um dia mais tarde, cheio de generosidade e solidariedade foi visitar os seus irmãos de sangue. Não podia suportar a injustiça de que eram vítimas. Vendo maltratar um deles, expõe-se até matar o agressor egípcio. Depois, quis fazer dos seus irmãos um povo com dignidade que se respeitassem e amassem. Mas nem sequer os irmãos entenderam a dignidade e liberdade que lhes propunha. Encontrou resistência por parte deles. Teve medo de que o Faraó viesse a saber tudo. Acabavam-se os bons e generosos sonhos. Fugiu do Egipto e foi viver como estrangeiro para a terra de Madian. Aí casou, constituiu família e guardava rebanhos.

c) O encontro com Deus
Foi então que fez a descoberta da iniciativa de Deus na sua vida. Quando estava no deserto, no monte Horeb – a montanha de Deus – a 1700 metros de altitude, apascentando o rebanho do sogro, Moisés vê, de longe, uma sarça que ardia sem se consumir. Aproximou-se para compreender o que significava. Que se passa? Que escuta Moisés? Que entende?
Antes de mais, escuta o seu nome: «Moisés»! Moisés!»
Dá-se conta de que Alguém sabe o seu nome, se interessa por ele. Escuta, depois, algo inesperado: «Não te aproximes daqui. Tia as sandálias, porque o lugar em que te encontras é sagrado. Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob» E Moisés escondeu o rosto porque temia ver a Deus.
Compreendeu que estava perante uma manifestação de Deus. É Deus que busca Moisés e se interessa por ele que é um foragido. E busca-o onde ele se encontra. Mas o encontro com Deus exige purificação, despojamento, disponibilidade (tirar as sandálias). Por isso, Moisés sentiu o temor do homem frágil e pecador diante do mistério de Deus.
Por outro lado, experimentou confiança. Deus apresentou-se-lhe como o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob – o Deus dos pais – aos quais já manifestara o Seu amor e fidelidade. E Moisés compreendeu que Deus se quer revelar de novo e fazer coisas novas com ele. O encontro com Deus é sempre um acontecimento de graça que chama a uma vida nova.

d) A missão
Deus ouvir o grito de clamor do Seu povo humilhado e decide liberta-lo dos opressores. Por isso, confia a Moisés esta missão: «O Senhor disse: Eu vi a miséria do Meu povo que está no Egipto e ouvi os seus clamores por causa dos seus opressores. Sim, eu conheço os seus sofrimentos. E desci para o livrar da mão dos egípcios e fazê-lo subir para uma terra fértil e esperançosa… vai, eu te envio ao faraó para tirar do Egipto os israelitas, meu Povo» (Ex 3, 7-10).
Moisés sente-se pequeno e humilde para uma empresa tão difícil. Conhecia o poderio esmagador do Faraó e do seu exército. Tem ainda viva a experiência do fracasso da primeira tentativa. E, por isso, escusou-se à tarefa: «Quem sou eu, Senhor, para ir ter com o Faraó e ir tirar do Egipto os israelitas?» (Ex 3,11). O Senhor, porém, apela à Egipto os israelitas?» (Ex 3,11) . O Senhor, porém, apela à confiança n’Ele: «Eu estarei contigo!» A presença de Deus é garantia de que levará a bom termo a sua missão.
Por último, Moisés perguntou ao Senhor com que nome O há-de identificar junto dos israelitas. E Deus responde: «Eu sou Aquele que sou», quer dizer: Eu sou Aquele que está aqui presente para vos salvar , o Deus presente, fiel e misericordioso.

2.3. A epopeia da libertação
Agora Moisés reconhece-se enviado, não para uma obra sua, mas para a obra de Deus. Depois de purificado e renovado no seu interior, põe-se completamente nas suas mãos. Vai ter com o Faraó e intimida-o: «Assim diz o Senhor, Deus de Israel: Deixa sair o Meu povo para que celebre uma festa no deserto». O Faraó opõe-se. Moisés, porém, crê na força da Palavra de Deus, mesmo sabendo que o Faraó continua obstinado.
Nesta circunstância, conjugam-se uma série de catástrofes que vêm dar força à sua palavra. São as pragas do Egipto: a cheia devastadora do Nilo, a invasão de rãs, parasitas, gafanhotos, mortandade de animais etc. O povo, à luz da fé, descobre aí sinais da força de Deus que combate a seu lado, vencendo as forças do mal e da opressão.
Finalmente o faraó cedeu e os israelitas puderam partir. Na véspera da partida, porém celebraram a Páscoa, durante a noite: cingidos nos rins e de bastão na mão, símbolos da prontidão e da pressa na saída do Egipto, comeram ervas amargas para evocar as amarguras da escravidão e o cordeiro pascal, imolado em honra do Senhor que os libertou. É a festa de acção de graças pelo dom da liberdade que vem de Deus.
Partiram de madrugada. Mas a travessia do deserto não foi de vento em popa. As forças de opressão renascem e voltam à perseguição. O exército do Faraó vai no seu encalce. Pela frente está o obstáculo: o Mar Vermelho. Às portas da liberdade, na última fronteira da escravidão, tudo parece falhar. O povo revolta-se contra Moisés. É uma noite de terror! Assediado, apela à valentia da fé na promessa: «Não temais! Tende ânimo e vereis a libertação que o Senhor vai operar hoje em vosso favor» (Ex 14, 13). O fracasso não é a última palavra. A última palavra é que Deus vence o mal e o homem vence com a força de Deus.
Levantou-se, então, uma tempestade de vento que facilitou a fuga porque a maré baixou. O povo reconheceu mais uma vez o dedo providencial de Deus. E, feita a travessia, ressurge um Israel novo que canta um hino de acção de graças (Te Deum) ao Senhor, o canto da liberdade e da justiça contra todas as formas de opressão.
«Eu quero cantar o Senhor
porque manifestou a Sua glória.
O senhor é a minha força e o meu canto
foi Ele quem me salvou
Ele é o meu Deus, eu o louvarei
O Deus de meu pai, eu O exaltarei.» (Ex 15, 1-2)


3. A FÉ, CAMINHO DE LIBERTAÇÃO
3.1. A grandeza de Moisés e daquele que crê
A história do êxodo e de Moisés não é só do passado. Aplica-se também aos cristãos, como diz S. Paulo, precisamente a este respeito: «Todos estes acontecimentos sucederam para servir de exemplo a nós.» (1Cor 10,6)
A descrição do Êxodo propõe-se suscitar a mesma fé de Moisés, acolher o mesmo dom da liberdade, fazer o mesmo esforço de libertação, para celebrar a presença do mesmo Deus libertador.
A grandeza de Moisés está na solidariedade com o povo e na intimidade com Deus. Ler Ex 32,31-32 e 33, 11 e verificar dois aspectos:
- Moisés é o chefe carismático que, sem medo, denuncia os desvios do povo da fidelidade à Aliança. No entanto, é profundamente solidário com a sorte do seu povo, anuncia-lhe a Palavra de Deus, guia-o e intercede por ele.
- A grandeza de Moisés não vem só das grandes coisas que realizou, mas fundamenta-se, sobretudo na sua fé e amizade profunda com Deus. Esta relação engrandece.

3.2. O compromisso do crente com a libertação
O Êxodo começado por Moisés conclui-se com Jesus Cristo, ressuscitado da morte para a vida verdadeira. Por isso, a vida com Cristo – a vida cristã – é também um êxodo, um sair das diferentes formas de escravidão para entrar na vida verdadeira, justa e livre com Deus. Esta libertação refere-se não só às escravidões mais profundas do coração humano egoísmo, ambição de possuir e dominar, violência), como também às de ordem social, económica e política. A fé cristã é um caminho de libertação.
Deus é aquele que quer a dignidade e q libertação. Não têm, por isso, consistência as acusações, atrás referidas, de que a fé aliena e oprime. Pelo contrário: a fé liberta os homens e promove os valores – solidariedade, força, coragem, fidelidade. A fé enriquece o homem na sua personalidade e no compromisso com a sociedade. Podemos lembrar algumas personalidades fortes de crentes como Teresa de Calcutá e João Paulo II que, de modo nenhum, se apresentam diminuídos.
A. Marto - M. Pelino

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Oração da Quaresma

Senhor,
ao iniciarmos novamente a Quaresma
mais uma vez nos recordais o essencial:
«Amar a Deus e aos irmãos, de todo o coração.»

Nós Vos pedimos, Senhor:
que não nos deixeis ir por caminhos fáceis;
que não nos instalemos
no bem-estar que o mundo nos oferece
e assim nos esqueçamos dos outros,
sobretudo os mais desfavorecidos.
Fazei que abandonemos os nossos preconceitos,
que não fechemos os olhos
a tantas realidades que não nos agradam
e nos magoam.

Fazei que as nossas preces
não sejam palavras ocas,
que a nossa esmola e o nosso jejum
sejam fruto do amor e da justiça.

Ajudai-nos, Senhor,
no nosso caminho de conversão,
para chegarmos a alcançar a profundidade
da vossa Paixão, Morte e Ressurreição.
Carmen G.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Segundo encontro: O Deus de Abraão e o Deus de Jesus Cristo

1. DEUS EM QUESTÃO
A Fé dirige-se a Deus, tem Deus por objecto. Ora, se nos tempos passados, a existência e a providência de Deus eram inquestionáveis, hoje não é assim. Deus é actualmente posto em questão.
De facto, a hipótese de Deus parece desnecessária para explicar o mundo. O conhecimento científico parece ter substituído a fé. O homem moderno dá a impressão de não precisar de Deus e viver à margem d`Ele. O consumo de bens materiais, o conforto e as possibilidades que lhe são oferecidas pela técnica serão suficientes para satisfazer o anseio de felicidade humana?
Por outro lado, as imagens e concepções de Deus e da religião que vemos à nossa volta também não são muito convincentes. Deus é, muitas vezes, entendido ou apresentado como um arquitecto que fez o mundo, ou então como um legislador que dá leis, ou juiz que castiga. Ou, ainda, como um mágico que resolve os problemas das pessoas e maneja as forças do universo através de milagres.
No vosso meio colocam-se também algumas questões a propósito da existência e da Providência de Deus? Que imagens deturpadas e pouco cedíveis notais acerca de Deus?
Será verdade p que afirma Paulo VI: «Deus tornou-se (para muita gente moderna) supérfluo e embaraçante»? Como se manifesta esta indiferença religiosa à vossa volta? Quais os motivos ou explicações desta indiferença?
Porém, o Deus em quem somos chamados a acreditar não é este Deus dos filósofos, ou dos mitos, ou da religiosidade natural. Nós acreditamos no Deus revelado na Sagrada Escritura. E, como dizia o sábio Pascal, convertido ao cristianismo, as imagens de Deus construídas pela razão humana não têm nada a ver com o Deus de Abraão e de Jesus. É este Deus que vamos procurar descobrir.

2. DEUS PRESENTE NA HISTÓRIA E NA CRIAÇÃO
2.1 Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob
A raiz mais antiga da nossa fé em Deus encontra-se nos patriarcas Abraão, Isaac e Jacob. O próprio Jesus cita estes pais na fé para afirmar que, tendo existido há milénios, eles continuam vivos na presença de Deus (cf. Mt 22,32). «Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob» e «Deus dos pais» são expressões que a Bíblia utiliza para apresentar Deus como Alguém conhecido e amigo dos antepassados na fé. Não é uma força ou objecto de conhecimento: Deus é uma pessoa que deseja relacionar-se como os homens: Deus é uma pessoa que deseja relacionar-se com os homens. É o Deus de Alguém.
É elucidativo o relacionamento de Deus com Abraão. Com este patriarca, arranca a história da Salvação. Ao longo da Sagrada Escritura, ele vai permanecer a referência normativa da atitude de fé.
Abraão viveu há cerca de quatro mil anos, no sul da Babilónia, numa região compreendida entre-os-rios Tigre e Eufrates, junto do Golfo Pérsico. A sua vida aparece profundamente marcada pela relação com Deus. Abraão vive orientado pela fé. Na sua história podemos destacar alguns aspectos significativos:
Chamamento – A história da Salvação começa com o chamamento de Abraão: «Deixa a tua terra, a tua família, e a casa de teu pai e vai para a terra que Eu te indicar» (Gen 12, 1). Abraão deixa tudo e põe-se a caminho. Confia em Deus e obedece. Coloca na Sua Palavra a segurança da própria vida.
A fé é um caminho que exige desprendimento. É deixar realidades em que apoiamos a nossa existência e orientar-se pela Palavra de Deus. Esta deve construir o grande apoio da existência do crente.

2.2 A promessa feita a Abraão
Promessa – Deus pede desprendimento em vista de bens maiores que promete a Abraão: «Nada temas, Abraão! Eu sou o teu escudo, a tua recompensa será muito grande. Abraão respondeu: Que me dareis Senhor Deus? Vou-me sem filhos e o herdeiro da minha casa é Eliezar (…) E conduzindo-o para fora disse-lhe: Ergue os olhos para os céus e conta as estrelas se fores capaz de contar. E acrescentou: Pois bem será assim a tua descendência. Abraão confiou no Senhor e o Senhor outorgou-lhe isso como mérito. O Senhor disse-lhe: Eu sou p Senhor que te mandou sair de Ur, na Caldeia para tomares posse desta terra» (Gen 15, 1-7).

Em que consiste a promessa?
- Descendência números:
Abraão é o pai dos crentes. Todas as religiões monoteístas o veneram como pai na fé (cristãos, judeus e muçulmanos). A descendência da fé não é menos importantes que a descendência natural, segundo a carne.
- Terra: Deus promete também uma outra terra a Abraão, para onde ele deve orientar o seu coração. Abraão torna-se peregrino. A sua verdadeira pátria não é aquela em que se instalara, mas a Terra Prometida.
- Bênção: Deus promete ainda uma amizade fiel e protecção: «Serei o Teu Deus». Esta protecção deve constituir a grande segurança da vida de Abraão.
O compromisso pessoal de Deus com Abraão mostra que Ele não é um Deus distante, ameaçador ou denominador. È um Deus que promete ajuda e protecção. Que se dispõe a acompanhar Abraão na peregrinação e a garantir o futuro dele e da sua descendência. É um Deus atento aos acontecimentos concretos, presente na história dos homens.
Abraão confia sempre e obedece totalmente. Apoia a sua existência na Palavra de Deus e caminha na Sua presença, na esperança firme que lhe vem da Promessa. Assim começa a história da salvação.

2.3. Deus Criador do céu e da terra
O Deus de Abraão não é uma divindade particular de uma família, tribo ou povo. É reconhecido pelo sacerdote Melquisedec, que abençoa Abrasão, como «Deus Altíssimo Criador do céu e da terra» (Gen 14, 18-20). O Deus que intervém na história de Abraão e o acompanha no seu caminho é o Criador e Senhor do Universo e o Deus de todos os povos. O seu poder e providência não tem limites nem fronteiras. Aquele que ajuda Abraão está atento a todos os povos.
A convicção de que o universo e os homens têm origem e sentido na criação de Deus, faz parte de fé de Israel e verifica-se desde o início da história do povo de Deus. Vem narrada a partir das primeiras páginas da Bíblia, é fruto da experiência de Israel que sentiu na sua história a protecção poderosa de Deus e é objecto da Revelação divina.
Não devemos, porém, entender a narração da criação como uma explicação científica da origem do universo. Não existe contradição entre a fé e a ciência, entre a afirmação bíblica da criação e teorias que procuram explicar a formação do universo, a sua idade ou a sua evolução. A Bíblia não pretende ser um trabalho científico. Utilizando imagens próprias da cultura de então e empregando uma linguagem poética, apenas afirma que o universo e os homens não surgiram por acaso ou por necessidade. Vêm da decisão livre de Deus, foram criados por amor. O mundo e a humanidade têm origem e sentido em Deus.
A criação não situa a acção de Deus apenas no começo do mundo. Deus não construiu o mundo à maneira de um arquitecto que, depois de concluída a obra, a deixa entregue a si mesma. Deus governa o mundo e orienta-o para o seu destino. A criação está orientada para a plenitude do Reino, progride para a perfeição até alcançar o novo céu e a nova terra.

2.4. Atitude do crente face ao criador
O homem, obra prima da criação, feito à imagem de Deus com liberdade e inteligência, encontra no mundo criado um reflexo da bondade e da grandeza de Deus, e ao mesmo tempo uma obra em que é chamado a colaborar. Para o crente, o universo mostra o rasto de Deus: «Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das Sua mãos» (S1 19, 2). Mas é também o espaço onde deve trabalhar, fazendo progredir a criação para a perfeição do Reino de Deus, não como dono absoluto, mas como colaborador de Deus em ajude de respeito e admiração pelas leis próprias das realidades criadas.
Acreditar na criação é assim descobrir a verdadeira condição do homem. Colocado acima de todas as realidades criadas, coroado de honra e de glória (S1 8,5-7) é, afinal, uma criatura limitada e dependente, marcado pela grandeza e pela fragilidade. Em Deus encontra segurança e harmonia. Aquele que criou o céu e a terra ama-o com amor infinito e ampara-o com amizade. N`Ele pode o homem confiar totalmente: «O nosso auxílio está no Nome do Senhor que fez o céu e a terra» (S! 124,8).

2.5 O pai de Nosso Senhor Jesus Cristo
O conhecimento e a relação com Deus avançam em profundidade ao longo da história da Salvação. Depois dos patriarcas, cabe aos profetas um papel importante na purificação do conceito de Deus e no reforço da Aliança. Mas, para nós cristãos, a referência principal para conhecer Deus e nos relacionarmos com Ele é a pessoa de Jesus Cristo. Deus é para nós «o Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, Pai de misericórdia e Deus de toda a consolação» (2 Cor 1,3). Outras religiões crêem e seguem o Deus de Abraão, como os muçulmanos e os judeus. Apesar desta raiz comum, quantas diferenças entre nós e os muçulmanos ou os judeus! Nós cremos no Deus que Jesus Cristo nos deu a conhecer.
É, de facto, em Jesus Cristo que a união entre Deus e os homens atinge a sua plenitude e perfeição. Toda a vida e acção de Jesus se explicam pelo amor do Pai. Este é a presença constante em que se apoia e a quem, no derradeiro momento da Sua vida, se entrega.
O grande segredo da vida de Jesus, da profundidade admirável da Sua pregação, da intensidade da oração, da liberdade e serenidade com que enfrenta o Seu destino, é a intimidade com o Pai. Jesus manifesta claramente a consciência de uma relação única com Aquele a quem chama pelo nome terno de «Abbá» - Paizinho. Por isso O dá a conhecer em plenitude: «Ninguém jamais viu a Deus: o Filho único que está no seio do Pai é que o deu a conhecer» (Jo 1,18).
O Deus revelado em Jesus Cristo manifesta-se de modo mais admirável na ressurreição. É a obra mais impressionante de Deus, o coroamento de todas as intervenções ao longo da história da Salvação. Por isso, no Novo Testamento, Deus é apresentado como «o Deus que ressuscitou Jesus dos mortos». Aquele em quem se pode confiar mesmo quando todas as seguranças humanas falham. Deus é amor fiel que não nos abandona nas trevas da morte. A ressurreição é a manifestação decisiva e insuperável do amor de Deus «que dá a vida aos mortos e chama à existência o que não existe» (Rom 4,17). S. Paulo considera que, neste acontecimento, se realiza plenamente a promessa feita a Abraão (Rom 4, 13-17). A plenitude da promessa realiza-se, assim, na vida nova da Ressurreição que Jesus Cristo alcança para os crentes.

3. A FÉ DE ABRAÃO E A NOSSA FÉ
3.1 O encontro com Deus
No exemplo de Abraão verificamos que Deus se conhece pela relação, pelo encontro. Do mesmo modo, hoje, para conhecer Deus não basta falar d`Ele. É indispensável dialogar com Ele., escutar a Sua Palavra e falar-lhe. Como afirma um filósofo (Martin Buber): «Se fosse só um Deus de quem se fala não acreditaria. Mas é um Deus a quem se fala. Por isso acredito».
Para conhecer Deus não basta acumular demonstrações sobre a Sua existência. Não é através da especulação que chegamos a Ele, mas através do encontro. Deus é o amigo, o Pai, Aquele que ama em todas as circunstâncias e cuja presença nos envolve constantemente. Esta convicção explica o estado permanente de oração que podemos verificar nos personagens bíblicos.

3.2 Caminhar na fé
Como a fé de Abraão também a nossa deve desenvolver-se ao modo de um caminho que avança. Ter fé é seguir o apelo de Deus e fixar o coração na sua promessa.
Caminhar na fé só é passível através do esforça permanentemente, da procura sincera da verdade de Deus e do desapego das seguranças humanas a que nos agarramos.
O crescimento na fé deve ter em vista três dimensões:
Confiança – Abraão confiou mesmo quando humanamente não havia garantias. Também a nossa fé deve levar à confiança em Deus, amigo e protector
Conhecimento – Deus revela-se, vem ao nosso encontro e dirige-nos a Sua Palavra. Assim como falou através dos profetas e de Jesus, fala-nos ainda hoje através da Igreja, que interpreta e actualiza a mensagem bíblica. A fé tem um conteúdo que é necessário conhecer.
Prática – Acreditar é pôr em prática o que Deus indica, Abraão caminhou na presença de Deus. Toda a sua vida é uma resposta à revelação. Também nós devemos praticar a fé. A fé manifesta-se na prática.
M. Pelino - A. Marto